A morte de Daniel Silva Saraiva, de 37 anos, na fábrica de pneus Bridgestone, em Santo André, no ABC paulista, trouxe à tona uma série de denúncias das condições inseguras de trabalho dentro da unidade.
O vídeo de um ex-funcionário falando sobre a falta de segurança na empresa, gravado durante um cortejo em homenagem a Daniel, recebeu quase oito mil curtidas e mais de 500 comentários nas redes sociais. A denúncia do ex-funcionário encorajou muitas outras:
“Saí dessa empresa há 11 anos, trabalhei por 10, sempre correndo esse risco, sempre sob essa pressão, sempre a empresa querendo mais e mais produção, triste realidade.”
“Eu já sofri acidente lá dentro, mas não abri [CAT - Comunicação de Acidente de Trabalho] porque [poderia] ser demitido… trabalhei lá por 4 anos, só quem trabalha ou já trabalhou sabe como funciona lá dentro”
“É um milagre você não sair sequelado dessa empresa, e você só serve enquanto a produção tá em dia, se machucou já era. Somos apenas números.”
“A empresa é grande sim, e multinacional, porém não tem preparo nenhum pra esse tipo de situação. Em questão de segurança para o trabalhador, deixa a desejar sim. A prioridade ali é a produção, não e à toa que o homem faleceu no dia e no outro a máquina já estava liberada pra voltar a trabalhar, e todos sem exceção se recusaram”
A notícia repercutiu fortemente na tradicional região industrial do ABC. Além do relato dos próprios trabalhadores, comentários de familiares reforçam que a falta de segurança na fábrica da Bridgestone é amplamente conhecida e com um histórico de décadas.
“Meu pai ficou doente dentro desta empresa, faleceu com 39 anos, muito triste, não tenho forças p contar toda a história, já faz 35 anos.”, escreveu uma mulher.
Outra relatou: “Meu esposo sofreu acidente de trabalho nessa empresa, quase perdeu a perna, tem sequelas permanentes, quase 10 anos afastado, não tem uma assistente social para ligar, fazer uma visita e saber se está tudo bem”.
A mãe de um trabalhador demitido também desabafou: “Eu agradeço a Deus por meu filho ter sido mandado embora dela, ele também se acidentou e eles nem quiseram saber de nada mais”.
Daniel, a vítima mais recente, morreu no dia 19 de agosto ao fazer manutenção em uma máquina. Fazia oito anos que ele trabalhava na Bridgestone. Diversos relatos apontaram que a morte dele poderia ter sido evitada, porque os trabalhadores já haviam alertado aos responsáveis sobre o mau funcionamento da máquina.
Pessoas próximas a Daniel denunciaram a resposta da empresa, que teria minimizado sua responsabilidade ao dizer que ele morreu quando já estava fora da empresa. Uma mulher contestou:
Gente, ele não morreu fora, eu acompanhei a esposa desde o início, a empresa nem avisou, se a gente não tivesse ido lá bater na porta da empresa, absurdo. Luto. Justiça tem que ser feita!!!!! Uma máquina corta a cabeça do funcionário, [ele] perde a massa encefálica dentro da empresa e vem me falar que saiu vivo, me poupe, justiça pelo Daniel.
Outra pessoa questionou: “Não morreu lá dentro?? Piada de mal gosto isso aí! Não teve nem como socorrer! Bridgestone sendo Bridgestone.”
Há um contraste gritante entre a massiva indignação que se expressou pelas redes sociais e o silêncio do Sintrabor (Sindicato dos Borracheiros da Grande São Paulo e Região), dirigido pela Força Sindical. Apesar de ter realizado uma assembleia no dia da morte e ter se solidarizado formalmente à família de Daniel, o Sintrabor está tratando a morte na fábrica como um caso isolado – uma distorção completa da realidade, que fica ainda mais evidente diante de tantas denúncias.
Algumas inclusive apontaram a responsabilidade do sindicato no encobrimento das condições inseguras na fábrica.
Trabalhei por anos nesta empresa, os acidentes ou ‘incidentes’ como eles gostam de chamar, para evitar processos, são diários! O tamanho da empresa, o nome que a mesma tem e mesmo assim muitos maquinários precários, o ambiente não é legal. Você trabalha todos os dias sob pressão. Na hora da correria pra máquina não parar, os líderes nem lembram sobre a segurança ou epi’s e vai o peão falar algo sobre, que é repreendido.
Trabalhei na época de chuvas forte no abc, com água nos pés, a av. Firestone alagada, água dentro da empresa, mesmo com o chão sendo de plataforma de metais e as máquinas elétricas não podemos parar o trabalho, pois éramos exigidos a continuar rodando as máquinas.
Infelizmente uma pessoa veio a falecer, mas vocês não sabem da missa um terço doque acontece lá dentro, os acidentes feios que tem. Sindicado só serve pra morder dinheiro do pião nas épocas de acordos, vai lá cobrar eles em algo pra tu vê o que acontece.
Apenas casos mais graves de “acidentes” chegam ao noticiário. Um deles foi em março de 2014, quando um trabalhador terceirizado morreu na fábrica. Ao fazer a manutenção em um aparelho refrigerador, um tubo de oxigênio explodiu e acertou a cabeça do mecânico de manutenção Jaelson da Silva Pontes, de 35 anos. E, em junho de 2015, um trabalhador ficou ferido durante um incêndio na fábrica.
A planta de Santo André foi a primeira fábrica de pneus da Bridgestone no Brasil, inaugurada nos anos 1940. Atualmente, a transnacional possui uma segunda fábrica de pneus em Camaçari, na Bahia, além de duas fábricas de banda de rodagem, em Campinas (SP) e Mafra (SC), e um Campo de Provas, em São Pedro (SP). Ao todo, são mais de três mil trabalhadores diretos no país e um número não divulgado de terceirizados.
Em 2012, a fábrica de Camaçari, na Bahia, viveu uma das maiores greves do setor industrial, com 52 dias parados. Um artigo do Sindicato dos Trabalhadores da Borracha de Camaçari (Sindborracha) relata que a motivação da greve “foi o assédio moral constante e insuportável vivido diariamente no chão de fábrica”, onde os trabalhadores eram tratados “à base da ameaça, assédio e chantagem”. Em protesto contra os maus-tratos e insatisfeitos com os salários, os trabalhadores começaram a fazer paralisações no meio de cada turno até que decidiram deflagrar a greve.
O relato destaca que “Um dia que marcou este processo foi quando os trabalhadores foram andando da Bridgestone até o prédio da Justiça do Trabalho, no Centro de Camaçari, carregando um caixão, que depois foi queimado pelos manifestantes na frente da fábrica”.
A greve resultou em demissões de diretores e gerentes da empresa, mas, segundo o próprio sindicato, foi encerrada com um acordo “com poucos avanços econômicos e funcionários demitidos”.
Em Santo André, um movimento mais recente aconteceu em 2020, com uma greve selvagem durante um surto de COVID-19 na fábrica. Também houve uma paralisação em 2023, desta vez controlada pelo sindicato, em protesto à demissão de 600 trabalhadores.
Neste ano, novas demissões podem acontecer. A Bridgestone Americas já anunciou cortes em toda a região. O plano inclui o fechamento de uma fábrica nos Estados Unidos, com a demissão de 700 trabalhadores, além de cortes na Argentina e no Brasil. Cerca de 1.760 — ou quase 4% dos “nossos quase 44.000 colaboradores na América do Norte e América Latina”, afirmou a empresa em um comunicado, “estão deixando a empresa como parte das reduções voluntárias e involuntárias de pessoal”.
O corte de empregos e as condições inseguras de trabalho estão diretamente relacionados. Quando a empresa reduz o quadro de funcionários, exige que os operários restantes compensem a produção, o que implica menos tempo para manutenção de máquinas, para vestir os equipamentos de proteção e até mesmo para um intervalo adequado. A jornada se torna mais longa, mais acelerada e mais perigosa — uma receita perfeita para novos acidentes.
A redução de empregos pressiona também externamente: do ponto de vista das corporações, a força de trabalho é facilmente substituível à medida que têm disponível um exército de reserva de desempregados.
A estratégia da Bridgestone, uma gigante transnacional, vem de sua necessidade de maximizar o lucro. Sempre em busca de mão de obra mais barata e redução de custos, ela usa sua estrutura global, transferindo a produção de uma região para outra, suspendendo temporariamente algum produto, adiando ao máximo a troca de maquinário precário e exaurindo até a morte, se necessário, seus trabalhadores.
A morte de Daniel na Bridgestone de Santo André não pode ser encarada meramente como um acidente ou um caso isolado. Nos últimos meses e semanas, o World Socialist Web Site reportou mortes de trabalhadores na Itália, Coreia do Sul e em vários estados dos EUA. Esses exemplos são parte do matadouro industrial global que, todos os anos, mata milhões de trabalhadores no mundo todo.
As condições de trabalho que mataram esses trabalhadores não podem ser toleradas, sob o risco de novas vítimas e da normalização da morte em nome do lucro capitalista. A palavra de ordem “A vida dos trabalhadores importa” deve ser um ponto de partida para a unificação dos trabalhadores dessas e outras fábricas, de outras cidades e além das fronteiras nacionais.
O Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) no Brasil, em solidariedade ao Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), apoia a luta da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) contra a negligência criminosa das corporações ao redor do mundo, que recentemente se expressou com a abertura de uma investigação sobre a morte de Ronald Adams Sr. nos Estados Unidos.
O GSI apoia também o apelo da AOI-CB para que a luta por condições de trabalho seguras seja levada adiante por meio da criação de comitês de base independentes dos sindicatos – que são cúmplices do assassinato social dos trabalhadores pelo sistema capitalista – e com base em um programa socialista internacionalista.