Português

Começa o julgamento do golpe de Bolsonaro, e o PT e a pseudoesquerda focam em atos patrióticos de 7 de Setembro

Teve início, nesta semana, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus principais cúmplices na conspiração que culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Sala do STF no segundo dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus cúmplices.  [Photo by Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil]

Na terça e quarta-feira, foram ouvidas as manifestações de defesa do ex-presidente e os outros sete acusados de constituir o “núcleo crucial” da conspiração golpista. Eles são quase todos militares, incluindo ex-comandantes das Forças Armadas e generais quatro estrelas.

As sessões decisivas do julgamento, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apresentarão seus votos e uma esperada condenação dos réus por crimes como “Golpe de Estado” e “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, estão marcadas para a próxima semana.

O julgamento da tentativa de golpe liderada por Bolsonaro e o alto-escalão militar é um evento político histórico no Brasil. Em um país que passou 21 anos sob uma ditadura militar sanguinária, de 1964 a 1985, é a primeira vez que generais se sentam no banco dos réus e que crimes contra a democracia são processados.

As implicações explosivas desse evento são exacerbadas pela crise global em aceleração e, particularmente, pelos choques da erupção violenta do imperialismo americano. Aquele que foi descrito como o “julgamento do século” no Brasil está se desenrolando sob a intervenção escancarada de Washington contra as instituições políticas do país. 

O governo de Donald Trump impôs tarifas punitivas de 50% ao Brasil, abertamente apresentadas como um meio de coagir o Estado brasileiro a abandonar o processo contra Bolsonaro, que seu aliado americano chamou de “caça às bruxas”.

O julgamento da tentativa de golpe no Brasil volta-se diretamente contra o projeto ditatorial em curso de Trump nos Estados Unidos. A conspiração fascista de Bolsonaro se espelhou diretamente na tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio de Washington. Trump olha para o Brasil e, sem dúvidas, pensa: “Poderia ser eu, não fosse a graça de Deus (ou, no seu caso, do Partido Democrata)”.

Os ataques coordenados entre Bolsonaro e o governo Trump foram referidos durante a abertura do julgamento pelo relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, alvo direto de sanções e ameaças dos Estados Unidos. “No curso desta ação, constatou-se a existência ... de uma verdadeira organização criminosa” – ele declarou –, que tentou “coagir o Poder Judiciário... e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de um Estado estrangeiro”.

Longe de representar o ponto final em uma ofensiva fascista derrotada, o julgamento de Bolsonaro e seus cúmplices ocorre em meio à persistência e intensificação dos seus esforços para derrubar a democracia no Brasil. Apoiados por amplos setores do establishment político, dos militares e pelo imperialismo americano, eles já preparam ativamente uma confrontação violenta das decisões sendo tomadas pela corte.

A classe trabalhadora brasileira está numa encruzilhada histórica. Para confrontar os perigos mortais da violência imperialista e do fascismo, é preciso compreender sua real origem em um sistema capitalista mundial em crise. Mas, acima de tudo, os trabalhadores brasileiros precisam compreender a fonte de sua própria força: sua profunda unidade de interesses com a classe trabalhadora internacional.

A perspectiva promovida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no poder e as organizações da pseudoesquerda vai na contramão direta desses interesses. Em resposta à situação explosiva, todos seus esforços estão concentrados na construção dos atos patrióticos reacionários do 7 de Setembro. 

A celebração da independência, que é profundamente associada ao legado político da ditadura militar e ao projeto fascista de Bolsonaro, ocorrerá precisamente em meio ao julgamento da tentativa de golpe. É previsto que a extrema-direita utilizará a ocasião para lançar uma ofensiva para implodir o andamento do caso.

O PT e a pseudoesquerda apresentam a necessidade de se contrapor a esses esforços, fraudulentamente, como uma justificativa para a construção dos atos que convoca sob o slogan “Brasil Soberano”. O líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Guilherme Boulos, falou: “A rua não pode ficar só com a extrema-direita no 7 de setembro. Isso é um contrassenso”.

Mas, mais profundamente, o abraço do chauvinismo brasileiro e sua tradição sórdida é parte de um esforço reacionário para construir uma “Frente Nacional” em resposta a Trump e Bolsonaro. O eixo fundamental dessa política é submeter a classe trabalhadora brasileira à burguesia nacional apodrecida e seu Estado.

Esse objetivo é claramente expresso na convocação dos atos, assinada pelas centrais sindicais e movimentos sociais ligados ao PT e ao PSOL. Dirigindo-se explicitamente aos “militares” e “lideranças partidárias” e “parlamentares” burguesas, ela declara: “Governo, empresários comprometidos com a pátria e trabalhadores devem apostar no fortalecimento do consumo interno e na conquista de novos mercados para nossas exportações”.

Essa nota oficial repugnante assinada pelas grandes centrais sindicais foi acompanhada de uma declaração “independente” da CSP-Conlutas, a central sindical liderada pelos morenistas do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e apoiado por grupos próximos, como o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT). 

Demonstrando explicitamente o caráter antimarxista dessas organizações, empenhadas em ocupar o papel de “ala esquerda” da frente nacional burguesa promovida pelo PT, a nota da Conlutas afirma: “O 7 de setembro deste ano ganha grande importância diante do ataque imperialista dos EUA contra o Brasil e precisa ser um marco na luta por uma verdadeira independência”. Com base nisso, eles clamam pela “mais ampla unidade de ação para enfrentar o imperialismo” – em outras palavras, pela superação das divisões de classe e políticas em nome da defesa nacional. 

A suposta “oposição” desse setor da pseudoesquerda ao governo Lula é meramente um artifício para desviar trabalhadores e jovens em processo de radicalização política. Seu programa “alternativo” reduz-se à exigência de que o “o governo de Lula tem de tomar medidas concretas anti-imperialistas e anticapitalistas”.

O grau de desespero e podridão política expresso na manobra reacionária do PT e da pseudoesquerda pode ser mais bem compreendido após uma contextualização sobre o evento político do qual pretendem se apropriar. Nos últimos anos do governo Bolsonaro, as celebrações do 7 de Setembro serviram precisamente como principal plataforma política para a promoção de sua conspiração golpista.

Em 2021, o World Socialist Web Site alertou

O 7 de Setembro marcou um novo estágio da guinada de Bolsonaro para estabelecer um regime ditatorial no Brasil. ...

Os eventos [daquele dia] foram arquitetados ao longo de meses por Bolsonaro e sua clique de assessores fascistoides civis e militares, e diretamente coordenados com aliados de extrema-direita nos EUA e internacionalmente. Com o apoio organizado de grupos de extrema-direita, comandantes da polícia, associações empresariais e outras instituições reacionárias, multidões compostas dos setores mais reacionários da classe média, policiais à paisana e outros elementos atrasados da sociedade brasileira foram trazidas às ruas com o objetivo declarado de legitimar a tomada de poderes absolutos por Bolsonaro.

Esses esforços foram escalados no ano seguinte, em que “se viu uma unificação inédita nas ruas dos apoiadores de seu projeto político fascistoide e das forças militares, com anuência dos generais”.

Na ausência de um movimento fascista de massas, a celebração reacionária do patriotismo e militarismo brasileiro no 7 de Setembro foi abraçada por Bolsonaro como uma fachada popular para seu projeto ditatorial. Sua capacidade de levar essa manobra adiante sem resistência significativa do Estado e com apoio dos militares demonstrou que a conspiração de Bolsonaro – muito mais do que um projeto pessoal — era sintoma da trajetória de todo o regime burguês.

É precisamente essa lição que o PT e a pseudoesquerda buscam apagar neste 7 de Setembro. 

A tentativa do PT de refundar sua “Frente Ampla” burguesa falida baseando-se no patriotismo como novo denominador político comum terá resultados catastróficos, que já começam a emergir à superfície.

Durante a promoção dos atos do Dia da Independência, o presidente do PT, Edinho Silva, declarou “ter como foco a criação de uma frente ampla de apoios para [as eleições do] ano que vem”. Em particular, ele manifestou o objetivo de aprofundar relações, em busca de uma federação, com o União Brasil e o Partido Progressista (PP).

Na terça-feira – ao mesmo tempo que iniciava o julgamento no STF – esses dois partidos de direita anunciaram sua saída do governo do PT e dos ministérios que ocupavam, e declararam adesão à campanha pela anistia de Bolsonaro e todos os envolvidos na tentativa de golpe do 8 de janeiro.

Loading