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PEC da Segurança Pública de Lula fortalece aparato policial no Brasil

Policiais civis e militares durante a “Operação Verão” em São Paulo, que causou a morte de pelo menos 56 pessoas. [Photo by SSP-SP]

O Congresso brasileiro começou nesta semana a discussão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública elaborada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). Se for aprovada por dois terços da Câmara e do Senado, ela efetivará uma concentração dos poderes policiais em nível nacional.

A PEC prevê a integração e coordenação das polícias civis, militares e guardas municipais entre União, estados e municípios por meio do Sistema Único de Segurança Pública, ampliando o papel da União na formulação de políticas e no enfrentamento ao crime organizado. Ela também amplia as atribuições das Polícias Federal e Rodoviária Federal e das guardas municipais para o policiamento ostensivo e eleva os fundos nacionais de segurança ao status constitucional para garantir recursos específicos.

Emulando os discursos de políticos de extrema-direita que defendem uma política de “tolerância zero” até mesmo aos pequenos crimes, Lula declarou em março: “A gente não vai permitir que os bandidos tomem conta do nosso país. A gente não vai permitir que a república de ladrão de celular comece a assustar as pessoas na rua desse país.” Ele acrescentou: “É por isso que estamos apresentando uma PEC da Segurança para que a gente possa dizer que o Estado é mais forte que os bandidos”.

O governo Lula também vê a PEC como uma maneira de responder à preocupação crescente da população brasileira com a violência, um reflexo do acirramento da desigualdade social no país para a qual o governo capitalista do PT não tem solução. Pesquisa da Quaest de abril mostrou que 29% dos brasileiros apontam a violência como principal preocupação. Em outubro de 2024, a violência era a principal preocupação de 16% dos brasileiros.

Inúmeros especialistas em segurança pública criticaram o caráter violento e reacionário da PEC do governo Lula. Gabriel Feltran, professor no Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, disse no início do ano em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos que a PEC reforça “nosso modelo segurança pública, que é militarizado, ... produz uma guerra militar contra o crime, produz uma muitíssima alta de letalidade policial...”. Ele chamou atenção particularmente ao fato de a PEC “colocar a Polícia Rodoviária Federal como a polícia ostensiva federal, que receberia muito mais recursos a partir de agora e se tornaria uma polícia militar federal”.

Apesar de seu caráter reacionário, a tramitação da PEC vem sendo marcada por disputas entre o governo federal e governadores estaduais parlamentares aliados ao ex-presidente fascista Jair Bolsonaro. O governador do estado de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), declarou em 1º de novembro do ano passado: “[A PEC] é inadmissível, é uma usurpação de poder, é uma invasão de prerrogativa numa prerrogativa que já está garantida a nós governadores”.

O governo do PT respondeu às críticas insistentes da extrema-direita a tal “usurpação de poder” dos estados fazendo concessões significativas. Em janeiro, o governo alterou a proposta, mantendo o poder dos estados para legislar sobre “normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário”. Mas essas alterações não reduziram a resistência da oposição política fascistoide.

As disputas em torno da PEC incluem um claro componente eleitoral. Caiado e outros governadores, como Tarcísio de Freitas de São Paulo, estão preocupados com a perda de uma base de apoio crucial nas polícias a pouco mais de um ano das eleições de 2026. Ambos estão se lançando como alternativa de extrema-direita para a presidência diante da inelegibilidade de Bolsonaro e disputam os eleitores do ex-presidente.

Acima de tudo, essas forças fascistoides enxergam a campanha de recrudescimento do aparato repressivo sendo promovida por Lula como uma apropriação indevida de uma política que lhes pertence.

Caiado, Tarcísio e outras figuras na esfera de Bolsonaro têm se mirado no modelo político fascistizante do presidente Nayib Bukele de El Salvador. Sob o pretexto de combater gangues criminosas, Bukele promoveu um aumento brutal da repressão e encarceramento em massa da população, sem devido julgamento, em campos prisionais que violam os direitos humanos mais básicos. Suas medidas de Estado policial serviram como plataforma para subverter o regime constitucional e dar os primeiros rumo a uma ditadura presidencial em El Salvador.

Os embates em torno da PEC de Segurança Pública aconteceram em meio à divulgação do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, publicado em julho, que revelou uma situação de violência equiparável a países em guerra. Em 2024, o Brasil registrou 44.127 mortes violentas intencionais, com 6.243 delas sendo causadas por forças policiais – um número cerca de cinco vezes maior do que o registrado nos EUA. Enquanto o total de mortes violentas diminuiu 31% entre 2017 e 2024, as mortes por policiais aumentou 21% nesse período.

Em São Paulo, a letalidade policial aumentou impressionantes 61% entre 2023 e 2024, passando de 504 a 813 mortes. No ano passado, a Polícia Militar comandada pelo governador Freitas, ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, foi a responsável por uma das operações policiais mais sangrentas dos últimos anos no Brasil.

Freitas usou a morte de um soldado da ROTA em 27 de julho de 2023 no Guarujá como o pretexto para lançar um banho de sangue na Baixada Santista, no litoral mais próximo da capital do Estado, São Paulo.

A primeira fase, denominada Operação Escudo, foi deflagrada um dia após a morte do policial, e acabou oficialmente com o fim da Operação Verão em abril de 2024. O caráter brutal da operação, que resultou em 56 mortes, foi apontado pelo Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, que explicou à Agência Brasil: “Nessas mortes a gente tem pessoas deficientes, pessoas que faziam uso de muleta, pessoas cegas, uma mãe de família com seis filhos.”

A Polícia Militar de São Paulo, porém, não é a mais letal do Brasil. Segundo o Anuário, as mortes policiais na Bahia, governado pelo PT desde 2007, é quase o dobro do que em São Paulo, alcançando 1.556 no ano passado. Segundo reportagem do Intercept de julho, como resultado de políticas como um infame “Prêmio por Desempenho Policial”, que recompensa batalhões por desempenho policial, e canaliza recursos para unidades especiais com um histórico de alta letalidade, a “proporção de mortes causadas por policiais triplicou desde 2014, passando de 5% para mais de 25% em 2023”.

O que acontece na Bahia é o resultado de um longo processo de recrudescimento da repressão supervisionado por governos federais e locais do PT. Em seus primeiros governos (2003-2010), Lula realizou uma “guerra às drogas” que fez explodir a população carcerária no Brasil, hoje a terceira maior do mundo. Nos governos da presidente petista Dilma Rousseff (2011-2016), foram aprovadas as leis de organização criminosa e antiterrorismo, ambas usadas para indiciar manifestantes e utilizar o exército para reprimir protestos sociais.

No Ceará, governado há uma década pelo PT, em outubro de 2023, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fez um pedido oficial pela saída de Luís Mauro Albuquerque Araújo do cargo de Secretário da Administração Penitenciária e Ressocialização. A associação justificou a solicitação denunciado “as ilegalidades e abusos das medidas adotadas nas unidades prisionais” do estado, que inclui maltrato e tortura contra presos. O governador Elmano de Freitas, no entanto, defendeu sua atuação e o manteve no cargo.

A denúncia da OAB está longe de ser uma surpresa. Em 2018, um ano antes de Albuquerque Araújo assumir o cargo no Ceará, as torturas nas prisões comandadas por ele no Rio Grande do Norte já tinham sido comparadas por um órgão do Ministério da Justiça aos “crimes cometidos por tropas dos Estados Unidos” em Abu Ghraib, no Iraque.

No Rio de Janeiro, o prefeito de Maricá (RJ) e um dos vice-presidentes do PT, Washington Quaquá, tem trabalhado na área da Segurança Pública em estreito contato com o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, um aliado próximo de Bolsonaro. No início de abril, Quaquá disse que pretende armar a Guarda Municipal e criar um grupamento especial para o combate ao crime organizado. Repetindo a linguagem dos fascistas brasileiros, Quaquá afirmou que “bandido em Maricá não terá vez” e vai “para a vala”.

A atitude de Quaquá é ainda mais alarmante pelo fato de o governador Castro ter supervisionado em 2021 um massacre brutal na favela do Jacarezinho, na zona norte da capital, Rio de Janeiro. Lá, a Polícia Civil matou 27 pessoas, sendo que 11 delas não possuíam qualquer registro de crimes e apenas três mandados de prisão foram cumpridos entre os 21 usados como pretexto para a operação. Em 2022, Castro chamou as vítimas de “vagabundos”.

A aproximação crescente do PT às bandeiras de repressão violenta antes restritas aos setores mais abertamente fascistas é uma manifestação do giro à direita de todo o sistema político capitalista brasileiro. Esse giro inclui os partidos da pseudoesquerda, que giram em torno do PT e do Estado burguês, cujo principal representante é o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Dando cobertura a cada passo reacionário do governo do PT, o PSOL ficou encarregado de fabricar argumentos para apresentar a PEC da Segurança Pública de Lula como um avanço progressista. No dia da sua aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, em 15 de julho, a deputada federal Talíria Petrone do PSOL do Rio de Janeiro elogiou a PEC, afirmando que “o Brasil precisa de procedimentos padronizados, de uso de câmeras corporais, de limite para uso de força”. O deputado federal Pastor Henrique Vieira, do mesmo partido, defendeu as ouvidorias públicas previstas na proposta, exigindo somente mais precisão na definição de “ouvidoria” e “corregedoria”.

Como o Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) explicou após as últimas eleições municipais no Brasil, que marcaram um salto no abraço consciente do PT e do PSOL às bandeiras políticas da extrema-direita:

[A]o promover a agenda comum da burguesia de austeridade e repressão contra a classe trabalhadora sob a bandeira enganadora de “unidade pela democracia”, o PT e a pseudoesquerda estão abrindo avenidas políticas para a extrema-direita explorar o descontentamento massivo com as condições existentes.

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