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Erik Prince, fundador da Blackwater, promove o envio de mercenários americanos para a América do Sul

Publicado originalmente em inglês em 11 de agosto de 2025

A recente visita ao Equador e ao Peru de Erik Prince, mercenário e ex-oficial do SEAL, o principal grupo de operações especiais da Marinha dos Estados Unidos, é motivo de preocupação em toda a região.

Erik Prince com as forças de segurança equatorianas. [Photo by @realErikDPrince]

O bilionário Prince é o fundador da Blackwater, um infame exército mercenário com um histórico sangrento de assassinatos e violações dos direitos humanos no Iraque, Afeganistão, Somália, Haiti e outros países. Seu objetivo ao visitar o Equador e o Peru é treinar a polícia e os militares no combate à crescente revolta das massas, bem como fornecer aos soldados mercenários uma licença para matar, se a situação assim o exigir.

Os governos dos dois países enfrentam o crescimento de máfias que praticam extorsão e controlam as ruas dos bairros operários nas cidades e nas regiões mineradoras dos Andes. No Peru, isso inclui cidades como Trujillo, El Callao e Lima. Da mesma forma, no Equador, facções criminosas que controlam o tráfico de drogas são predominantes na cidade portuária de Guayaquil. Essas questões, no entanto, têm sua origem na crescente desigualdade social, na pobreza generalizada e na marginalização de amplas camadas de trabalhadores e jovens pela elite capitalista dominante.

É nesse contexto que Prince, um antigo apoiador do presidente americano Donald Trump, viajou para a região em julho.

Em Quito, o presidente Daniel Noboa e Prince chegaram a um “acordo estratégico” para combater o tráfico de drogas e a pesca ilegal. A criação de uma base militar dos EUA no Equador também está sendo avaliada.

Prince visitou o Peru a convite de Hernando de Soto, economista de direita e ex-assessor do regime ditatorial do presidente Alberto Fujimori. Fundador do think tank neoliberal Instituto para a Liberdade e a Democracia (ILD), que pretende combater a regulamentação e garantir os direitos de propriedade para micro e médias empresas, de Soto foi um dos primeiros a receber financiamento da Fundação Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês), criada durante o governo Reagan para realizar abertamente o tipo de apoio que antes era fornecido secretamente pela CIA.

A presença de Prince no Peru teria como objetivo intervir no conflito envolvendo a mineração informal com base na agenda de de Soto. Isso é uma mentira. Sua especialidade não é a regulamentação da atividade mineradora, mas o treinamento de agentes da polícia e do exército, bem como o envio de mercenários para realizar repressões em massa e assassinatos. Essa agenda visa não apenas reprimir a violência recente envolvendo garimpeiros informais, como os 13 garimpeiros massacrados recentemente em Pataz, uma região mineradora no norte dos Andes. Seu objetivo vai muito além disso.

Desde o início de 2023, o Peru tem assistido a um aumento da luta de classes, impulsionado pela crescente desigualdade social e pela corrupção governamental desenfreada, que deixa a burguesia sem opções democráticas para governar. Consequentemente, o governo depende cada vez mais da polícia e das forças armadas para manter o controle. Prince oferece treinamento especializado em táticas para enfrentar esse crescente descontentamento popular com força letal.

No final de julho, mineiros manuais e informais bloquearam a principal rodovia que transporta minerais das minas na região sul dos Andes. Essa ação foi apenas o começo do protesto. Sindicatos e organizações da classe trabalhadora anunciaram uma greve geral nacional que poderia desafiar significativamente o governo.

O jornal El Comercio informou que Prince é o “fundador da controversa Blackwater (agora conhecida como Academi), uma empresa que entre 2001 e 2009 foi a maior fornecedora de serviços de segurança ao Departamento de Estado dos EUA. No entanto, a empresa foi vendida em 2010 após um escândalo que resultou na morte de 17 civis em Bagdá”.

Mercenários da Blackwater que escoltavam diplomatas americanos passando por uma praça pública em Bagdá lançaram um ataque não provocado usando armas automáticas e granadas que deixou 17 mortos, incluindo um menino de 9 anos.

Foram necessários três anos de luta contínua por parte das famílias das vítimas para que os tribunais declarassem quatro mercenários culpados. Em seguida, o presidente Trump perdoou-os em 2020.

O perdão concedido por Trump desencadeou um debate global sobre várias questões: (1) a impunidade dos mercenários em zonas de guerra; (2) o vazio jurídico em que operam as empresas militares privadas; e (3) as objeções das Nações Unidas, das organizações de direitos humanos e do governo iraquiano, que consideraram os perdões uma afronta à justiça e ao Estado de direito.

Mas essas reclamações não impediram a Blackwater, juntamente com suas empresas sucessoras, de receber contratos lucrativos no valor de bilhões de dólares do governo dos Estados Unidos e de empresas privadas entre 2001 e 2020. As operações de Prince incluíram o envio de mercenários não apenas para o Iraque e o Afeganistão, mas também para os Emirados Árabes Unidos, Líbia, Somália, Sudão do Sul, Congo (RDC) e Iêmen.

Em 2009, o WSWS escreveu sobre os assassinatos cometidos por mercenários da Prince no Iraque e no Afeganistão: “[Bush] contratou a Blackwater para realizar assassinatos de supostos agentes da Al Qaeda”. A contratação da Blackwater continuou durante o governo Obama. Ainda segundo a reportagem,

Apesar do histórico bem estabelecido da Blackwater de assassinatos indiscriminados de civis iraquianos, o governo Obama manteve seus serviços no Afeganistão, onde um novo relatório revela que a Blackwater foi contratada para trabalhar com os drones Predator não tripulados que realizam assassinatos e aterrorizam aldeias no leste e sul do Afeganistão e nas regiões fronteiriças do Paquistão.

Na entrevista ao El Comercio, Prince descrevee sua experiência no Haiti, dizendo:

No caso do Haiti, o governo nos pediu ajuda para enfrentar as gangues, pois eles têm um problema terrível: as gangues tomaram conta de mais de 90% de Porto Príncipe. É assim que trabalhamos com e por meio da polícia haitiana, dando a eles as ferramentas e a capacidade para combater as gangues de forma mais eficaz. No Haiti, eles não matam apenas policiais; eles os devoram. Tem sido realmente uma situação terrível, e pouco a pouco estamos revertendo isso.

Entre os mercenários de Prince estavam 150 de origem haitiana que usavam drones explosivos. O resultado foi 300 mortos e 400 feridos. Todas as operações de Prince têm um denominador comum: falta de transparência, uso excessivo de armas letais e violação da soberania.

Prince é um aliado político próximo de Trump, que nomeou a irmã do chefe mercenário como sua secretária de educação em seu primeiro mandato. Sua tentativa de angariar negócios para suas forças mercenárias na América do Sul poderia muito bem servir como a ponta de lança para uma intervenção militar mais ampla dos EUA na região, que Washington vê como um campo de batalha estratégico em sua marcha rumo à guerra com a China.

A China é o maior parceiro comercial da América do Sul e um importante investidor em infraestrutura e mineração no Peru, com os recentes bloqueios de estradas por mineiros entrando em conflito direto com os interesses mineradores chineses. Prince poderia, assim, tentar lucrar com os dois lados do confronto geopolítico, ao mesmo tempo em que serviria aos interesses da oligarquia capitalista dominante do Peru e do capital estrangeiro, desencadeando violência contra uma classe trabalhadora revoltosa.

Recentemente, o site Infobae publicou uma reportagem intitulada “África: a China está investindo em suas próprias empresas de segurança privada para proteger seus interesses na África”. Segundo a reportagem,

Como resultado desse fenômeno, surgiram empresas híbridas, como a China Overseas Security Services, registrada no Reino Unido como uma “empresa controlada pela China que utiliza especialistas em segurança ocidentais”, ou a Frontier Services Group, criada por Erik Prince, ex-membro do SEAL dos EUA e fundador da Blackwater. Esta última é uma subsidiária da China International Trust Investment Corporation (CITIC), um dos maiores conglomerados do gigante asiático.