Na segunda-feira passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi posto em prisão domiciliar pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após descumprir reiteradamente medidas cautelares que o proibiam de utilizar as redes sociais.
As restrições contra o ex-presidente haviam sido impostas duas semanas antes, em meio às tensões provocadas pelo anúncio de tarifas drásticas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, justificadas como uma intervenção de Washington contra o que chamou de “caça às bruxas” contra Bolsonaro e seus apoiadores.
Em 18 de julho, o ministro do STF Alexandre de Moraes decretou uma série de medidas contra Bolsonaro — incluindo o uso de tornozeleira eletrônica, a proibição do uso de redes sociais e de comunicação com autoridades estrangeiras — com o argumento de que ele agia, junto com seu filho Eduardo Bolsonaro, para instigar sanções dos Estados Unidos contra o Brasil e obstruir a investigação e o julgamento dos responsáveis pela tentativa de golpe fascista de 8 de janeiro de 2023.
Bolsonaro desafiou de forma provocativa a decisão da Corte. Após uma aparição no Congresso Nacional em 21 de julho, onde discursou diante das câmeras para seus aliados denunciando as medidas do STF como uma “humilhação” e convocando a “enfrentar tudo e todos”, ele foi advertido sob ameaça de prisão.
Em desafio ao STF, Bolsonaro participou por videochamada de manifestações de extrema-direita realizadas no último domingo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os protestos exigiam “anistia já” para todos os envolvidos na insurreição fascista de 8 de janeiro, além do impeachment de Moraes e da derrubada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores — PT). Em inglês, manifestantes empunhavam cartazes com os dizeres: “THANK YOU TRUMP” e “HELP TRUMP”.
A decretação da prisão de Bolsonaro, a ser cumprida em regime domiciliar, reacendeu as chamas do já explosivo ambiente político brasileiro.
O governo Trump respondeu imediatamente. Na noite de segunda-feira, o Departamento de Estado dos EUA publicou um comunicado oficial na rede X anunciando:
O juiz Moraes, agora um violador de direitos humanos sancionado pelos EUA, continua a usar as instituições do Brasil para silenciar a oposição e ameaçar a democracia…
Os Estados Unidos condenam a ordem de Moraes que impõe prisão domiciliar a Bolsonaro e responsabilizarão todos aqueles que ajudarem ou facilitarem condutas sancionadas.
As provocações de Washington contra o governo brasileiro se intensificaram ao longo da semana.
Na quinta-feira, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou um comunicado atacando Moraes como “o principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro” e ameaçando todo o sistema judiciário brasileiro. O texto concluía:
Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto.
O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) convocou, no dia seguinte, um representante da Embaixada para prestar esclarecimentos sobre a flagrante violação do direito internacional e do princípio da não interferência. Washington respondeu redobrando a afronta.
No sábado, o vice-secretário de Estado, Christopher Landau, publicou um novo ataque contra o Brasil na rede X, traduzido para o português e republicado pela Embaixada dos EUA. A mensagem afirmava:
...O que está acontecendo agora no Brasil ressalta esse ponto: um único ministro do STF usurpou poder ditatorial ao ameaçar líderes de outros Poderes, ou suas famílias, com detenção, prisão ou outras penalidades. Essa pessoa destruiu a relação historicamente próxima entre Brasil e Estados Unidos... Assim, nos encontramos em um beco sem saída, no qual o usurpador se reveste do Estado de Direito, enquanto os demais Poderes insistem que estão impotentes para agir....
A alegação indefinida de que os “demais Poderes” do governo “afirmam estar impotentes para agir” contra o Judiciário, além de ser uma fraude grotesca, tem implicações sinistras. Ela remete a toda a história dos golpes patrocinados pelo imperialismo americano na América Latina, incluindo a derrubada do governo democraticamente eleito no Brasil em 1964, e a instalação de uma ditadura militar assassina que permaneceu no poder por duas décadas.
O governo Lula viu-se pressionado a responder a esses ataques. Ao portal Poder360, declarou seu “absoluto rechaço às reiteradas ingerências do governo norte-americano nos assuntos internos do Brasil” e afirmou que a postagem de Landau “caracteriza um novo ataque frontal à soberania brasileira e a uma democracia que recentemente derrotou uma tentativa de golpe de Estado”.
A nova série de provocações e ameaças de Washington vem na esteira da declaração de Trump afirmando que o Brasil representava uma “emergência nacional” para os EUA, acompanhando a formalização de suas tarifas de 50% contra o país.
Como reportou o World Socialist Web Site, o decreto de 28 de julho de Trump, numa grotesca inversão dos fatos, acusou o governo brasileiro — e Moraes individualmente — de “perseguir politicamente um ex-presidente” e “contribuir para a deliberada destruição do Estado de Direito, ... intimidação politicamente motivada ... e para abusos de direitos humanos”.
Moraes foi posteriormente submetido a sanções econômicas e proibido de entrar nos EUA sob o Magnitsky Act — num movimento que Washington agora ameaça estender aos seus “aliados no Judiciário e em outras esferas”.
Na arena política nacional, a prisão de Bolsonaro foi a senha para uma nova investida das forças políticas fascistas associadas ao ex-presidente.
Na terça-feira, parlamentares do Partido Liberal (PL) e de outros partidos de extrema-direita iniciaram uma “obstrução” do Congresso e do Senado. Impedindo fisicamente a continuidade das sessões, exigiram a votação do que apelidaram de “pacote de pacificação” do país, centrado na anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro e no impeachment de Moraes.
Após dois dias bloqueando o Parlamento, os fascistas anunciaram a suspensão da ação, depois de extrair concessões significativas — incluindo um compromisso dos partidos do “Centrão” (um bloco frouxo que não se vincula diretamente nem ao governo do PT nem a Bolsonaro) de apoiar o projeto de anistia do 8 de janeiro e medidas contra o Judiciário. Os partidos que articularam esse acordo — o Partido Progressista (PP), União Brasil e o Partido Social Democrático (PSD) — compõem a base e ocupam ministérios-chave no governo Lula.
A continuidade política entre essa ação recente e a conspiração golpista que culminou na insurreição fascista em Brasília há dois anos foi amplamente destacada. Entre outros, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, do PT, afirmou não se tratar de uma simples “obstrução”, mas de “um novo 8 de janeiro”.
A estreita coordenação entre a ação dos fascistas no Parlamento brasileiro e os subsequentes ataques de Washington por meio de sua embaixada é evidente.
O episódio também remete a declarações recentes do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, que liderou o movimento de “obstrução”. Em entrevista à Folha de S.Paulo em junho, Flávio ameaçou que uma eventual condenação de seu pai provocaria “reações populares” e “internacionais” que “não estão sob nosso controle”. Para os fascistas, a “pacificação do país” significa que a única alternativa a um golpe violento é uma rendição “pacífica”.
Os acontecimentos recentes expõem não apenas o avanço da conspiração fascista no Brasil e seus profundos vínculos com a escalada imperialista dos EUA, mas também a completa falência das perspectivas nutridas pelo PT e seus apoiadores da pseudoesquerda, que trabalham sistematicamente para desarmar a classe trabalhadora diante dessa ameaça mortal.
O PT e a pseudoesquerda promoveram a farsa de que o fascismo poderia ser contido por meio de uma “frente ampla” com o establishment burguês falido, enquanto promoviam de forma sistemática os militares. Agora, estão empenhados em aprisionar trabalhadores e jovens numa armadilha nacionalista burguesa em resposta aos ataques de Trump.
A classe trabalhadora só pode combater a violência imperialista e o fascismo estabelecendo sua independência política em relação à burguesia e a seus agentes, e travando uma luta revolucionária contra o capitalismo e pelo socialismo em escala internacional.