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A agenda militarista por trás da guerra tarifária de Trump contra o mundo

Contêineres no porto de Guangzhou, na província chinesa de Guangdong, em 17 de abril de 2025. [AP Photo/Ng Han Guan]

A ordem executiva emitida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, na noite de quinta-feira, impondo tarifas abrangentes a praticamente todos os parceiros comerciais dos EUA, é um marco na decadência e colapso do capitalismo americano e global.

Os EUA criaram agora uma barreira tarifária em torno de si mesmos equivalente àquela imposta durante a Grande Depressão da década de 1930, com consequências desastrosas tanto econômicas quanto políticas, e que desempenhou um papel decisivo na criação das condições para a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o maior banho de sangue da história da humanidade.

As consequências da guerra econômica de Trump contra o mundo não serão menos significativas. Isso provocará um crescente conflito econômico, levando inexoravelmente à eclosão de uma guerra.

Na verdade, a situação é potencialmente ainda mais grave do que a que prevalecia na década de 1930. Naquela época, o comércio internacional consistia principalmente na exportação e importação de matérias-primas e produtos acabados. A produção industrial era realizada principalmente dentro das fronteiras nacionais.

Hoje, não há nenhuma mercadoria que se possa dizer que foi produzida em um determinado país. Todos os bens, dos mais simples aos mais complexos, são produzidos em escala global. O mundo se tornou um organismo econômico integrado, e a classe trabalhadora tornou-se igualmente integrada e unificada objetivamente.

Mas esse desenvolvimento, a globalização da produção e o desenvolvimento de cadeias de abastecimento complexas que cruzam países e continentes, elevou a um novo patamar uma contradição central da ordem capitalista mundial – a que existe entre a economia global e a divisão do mundo em Estados nacionais rivais e potências imperialistas.

As medidas de Trump significam a destruição total da ordem comercial pós-guerra estabelecida após os desastres da década de 1930 e da Segunda Guerra Mundial, que procurava contê-la. Como disse um funcionário do governo: “Este é um novo sistema de comércio”.

É certamente isso. O significado completo das medidas de Trump só pode ser compreendido e entendido quando colocadas no seu contexto histórico.

A ordem comercial do pós-guerra baseava-se na redução das tarifárias e na remoção de restrições. Esses mecanismos não visavam apenas promover o crescimento econômico, mas também tinham um profundo conteúdo geopolítico. Baseavam-se no entendimento, extraído da experiência da década de 1930, de que uma ordem econômica mundial na qual todos os países buscavam proteger e promover seus interesses nacionais por meio de tarifas e outras medidas restritivas levava inexoravelmente a conflitos militares.

O sistema pós-guerra baseava-se no domínio econômico do capitalismo dos EUA, que utilizou sua vasta capacidade industrial para reconstruir o mercado mundial do qual se tornara vitalmente dependente. Mas a Pax Americana continha uma contradição insolúvel.

A própria recuperação e expansão da economia mundial minaram progressivamente o domínio dos Estados Unidos. Esse declínio quantitativo, que se prolongou por décadas, levou agora a uma virada qualitativa, na qual os EUA não só enfrentam velhos rivais, como a Europa e o Japão, mas também novos, como a China.

A guerra econômica iniciada por Trump não é simplesmente produto de sua mente febril ou de seus assessores fascistas.

Suas ações são a expressão de uma crise existencial enfrentada pelo imperialismo americano, que se desenvolveu muito antes de ele entrar em cena.

Isso é exemplificado na transformação dos EUA de potência industrial mundial em centro do parasitismo financeiro, revelada em uma série de tempestades e crises – do colapso do mercado de ações em outubro de 1987, passando pela bolha das “pontocom” de 2000-2001 e a crise financeira de 2008 até o congelamento do mercado de títulos do Tesouro em março de 2020, no início da pandemia.

O imperialismo americano não tem nenhum programa econômico para resolver essa crise, nem com tarifas nem com outras medidas, mas é levado a usar meios violentos.

O caráter militarista da guerra tarifária de Trump contra o mundo é evidente em toda a ordem executiva.

Refere-se ao impacto da chamada falta de reciprocidade por parte dos parceiros comerciais estrangeiros sobre “a base industrial nacional, as cadeias de suprimentos críticas e a base industrial de defesa”.

Ao longo da ordem, há referências à necessidade de todos os países que desejam negociar com os EUA se alinharem com eles em “questões econômicas e de segurança nacional”. Em outras palavras, eles devem se integrar totalmente à iniciativa dos EUA de manter sua posição como potência imperialista dominante, sobretudo na batalha contra a China, ou serão duramente atingidos economicamente.

No caso da Índia, por exemplo, Trump criticou o governo Modi por “comprar petróleo e armas russas”.

A tarifa de 50% imposta ao Brasil revela claramente a agenda subjacente. O país foi atingido por uma tarifa de 50%, apesar de ser um dos poucos países com os quais os EUA têm superávit comercial.

Mas o Brasil está na mira de Trump por causa da ação judicial contra seu aliado fascista Jair Bolsonaro por sua tentativa de golpe e porque o Brasil é um dos membros mais proeminentes dos BRICS, grupo de países que busca encontrar meios alternativos de financiamento internacional fora do sistema do dólar.

Como Trump disse em várias ocasiões, perder a supremacia do dólar – vital para a capacidade dos EUA de continuar acumulando dívidas massivas – seria equivalente a perder uma guerra.

Há quase um século, Leon Trotsky explicou que o domínio do imperialismo americano se expressaria de forma mais aberta e violenta não em um período de prosperidade, mas em um período de crise.

E esse aviso premonitório se concretizou. Isso é exemplificado na natureza dos chamados acordos, que não são o resultado de negociações, mas sim o produto do ditame imposto por Trump, ao qual os outros países devem obedecer ou serão atingidos por sanções devastadoras.

A UE recuou diante de uma guerra comercial total para a qual ainda não está preparada. Mas a capitulação foi recebida com denúncias, tipificadas pelas observações do primeiro-ministro francês François Bayrou de que o bloco havia “se resignado à submissão”.

Apesar da afirmação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, de que o “acordo” trouxe certeza, as classes dominantes europeias sabem que a agitação apenas começou e que a agenda do imperialismo americano é torná-las totalmente subservientes. O Japão também é alvo. Os rivais do imperialismo americano não podem e não aceitarão um programa sob o qual serão continuamente reduzidos a nada.

Assim, as sementes de uma nova guerra interimperialista não só foram plantadas, como estão começando a germinar.

Ao longo do século XX, o imperialismo alemão entrou duas vezes em guerra contra os EUA, e o Japão envolveu-se num conflito sangrento na Segunda Guerra Mundial pela dominação da Ásia-Pacífico. Estas contradições foram suprimidas e contidas durante o pós-guerra, mas os seus alicerces foram agora destruídos, e estão prestes a eclodir novamente, tal como aconteceu na década de 1930.

Mas há uma diferença vital entre aquele período e a situação atual que deve ser compreendida pela classe trabalhadora, que enfrenta enormes perigos.

Na década de 1930, a classe trabalhadora sofreu enormes derrotas, sobretudo devido à chegada ao poder dos nazistas na Alemanha. Mas hoje, a classe trabalhadora não está derrotada nem desmoralizada. Há um movimento crescente à esquerda em todo o mundo, um sentimento anticapitalista cada vez mais profundo e uma guinada em direção a uma solução socialista, sobretudo entre os jovens.

A tarefa crucial é dotar esse movimento de uma perspectiva clara. Ele deve se basear no entendimento de que a crise não decorre das inclinações de Trump, mas da falência histórica de toda a ordem capitalista e de seu sistema de Estados nacionais.

Portanto, isso só pode ser resolvido através da luta por uma perspectiva internacionalista baseada na unificação da classe trabalhadora na luta política por um programa socialista, cujo lema é “o principal inimigo está em casa”.

Imediatamente, para a classe trabalhadora americana, isso significa a luta contra a agenda nacionalista promovida por Trump. Apesar de todas as suas alegações de que suas guerras tarifárias tornarão os Estados Unidos grandes novamente e beneficiarão os trabalhadores, os fatos econômicos objetivos da vida dizem o contrário. As tarifas aumentam a estrutura de custos da indústria americana, o que leva os empregadores a tentar superá-la com ataques massivos aos empregos e às condições de trabalho, a fim de manter seus lucros.

Da mesma forma, os trabalhadores de todo o mundo devem rejeitar e lutar contra a perspectiva de suas “próprias” classes dominantes de que o caminho a seguir contra a guerra econômica lançada pelo imperialismo americano é o avanço de um programa nacionalista. Este é o caminho para o desastre.

A perspectiva da revolução socialista mundial, defendida exclusivamente pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional, o movimento trotskista mundial, não é um objetivo utópico. À medida que a agonia do capitalismo, exemplificada pela guerra de Trump, entra em uma nova e ainda mais perigosa fase, esse é o único programa viável e realista da atualidade. A tarefa crucial é construir a direção necessária para lutar por ele.

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