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Perspectivas

As tarifas de Trump contra o Brasil: A resposta socialista necessária

Lula em seu pronunciamento nacional sobre as tarifas do governo Trump ao Brasil [Photo by Facebook]

Em 9 de julho, o governo Trump anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil aos Estados Unidos, com vigência a partir de 1º de agosto.

O ataque imperialista de Trump abalou todo o cenário político brasileiro e causou furor entre a classe dominante. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) respondeu convocando a mais ampla unidade da burguesia nacional.

Os sindicatos e a pseudoesquerda que orbitam o PT imediatamente abraçaram essa campanha reacionária. Fabricando uma cobertura de “esquerda” para o chauvinismo burguês, eles buscam montar uma armadilha política para a classe trabalhadora e a juventude.

O Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) no Brasil, em solidariedade com o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), rejeita totalmente essa perspectiva. Num mundo conectado por uma economia globalizada, no qual os eventos políticos são cada vez mais moldados numa arena internacional comum, não há solução nacional para os problemas fundamentais enfrentados pela classe trabalhadora.

O anúncio da semana passada fez parte de uma nova rodada da guerra tarifária de Trump contra dezenas de países, incluindo Canadá e México, Japão e Coreia do Sul, além dos países da União Europeia. O Brasil foi o mais afetado por esta rodada mais recente, ficando atrás apenas da China no total de tarifas impostas pelos EUA desde a volta de Trump ao poder.

Como o World Socialist Web Site escreveu, este ato de intervenção imperialista acrescenta uma nova dimensão à guerra econômica contra o mundo travada pelo governo Trump. O aspecto mais marcante das tarifas contra o Brasil é sua premissa política aberta, que expõe a verdadeira lógica daquilo que aparece como “loucura econômica”.

Trump vinculou abertamente sua medida de guerra comercial ao julgamento em andamento do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, que o presidente americano chamou de “Caça às Bruxas” que “precisa parar IMEDIATAMENTE”.

Em uma nova carta endereçada a Bolsonaro e publicada quinta-feira nas redes sociais, Trump reiterou suas ameaças, exigindo que o “governo brasileiro mude o curso” e alertando: “Estarei observando de perto”.

A classe trabalhadora brasileira deve tomar a ameaça de Trump com a maior seriedade. Há pouco mais de dois anos, Bolsonaro e um setor significativo do alto comando militar conspiraram um golpe de Estado para impor uma nova ditadura no Brasil. Neste contexto, o chefe do imperialismo americano está anunciando: nós apoiaremos a próxima tentativa.

Baseando-se na tradição revolucionária do trotskismo representada pelo CIQI, o GSI convoca a classe trabalhadora brasileira a responder à erupção do imperialismo e da guerra, à ameaça do fascismo e à crescente desigualdade social lutando ao lado de seus irmãos de classe internacionais pela revolução socialista mundial.

A armadilha nacionalista do PT

Na última quinta-feira, o presidente Lula fez um pronunciamento em rede nacional respondendo às tarifas anunciadas por Trump uma semana antes. A declaração ergueu um novo mote do governo, “Brasil Soberano”.

Sob a bandeira de defesa da “soberania nacional” ameaçada, Lula abarcou a capacidade do país “gerar empregos, combater as desigualdades, garantir saúde e educação, promover o desenvolvimento sustentável e criar as oportunidades que as pessoas precisam para crescer na vida”.

Lula reduziu a oposição fascista a “traidores da pátria”.

Fazendo referência à sequência de reuniões entre o governo, representantes dos diferentes setores da burguesia brasileira e os sindicatos, onde afinou-se o conteúdo do pronunciamento, Lula concluiu:

Essa é uma grande ação conjunta que envolve a indústria, o comércio, o setor de serviços, o setor agrícola e os trabalhadores.

Estamos juntos na defesa do Brasil.

A ideia de que os ataques imperialistas de Washington unificam, a partir de cima, os interesses das diferentes classes dentro do Brasil é absolutamente falsa.

Para a classe dominante brasileira e seu governo, o que está em jogo é a defesa dos seus lucros e sua capacidade de impor aos trabalhadores o peso crescente da sua crise. Em nome da “unidade nacional”, querem arrancar novos sacrifícios da classe trabalhadora e transferir sua responsabilidade pelo regime de desigualdade social intolerável.

O ataque de Washington foi avidamente abraçado pelo PT como uma oportunidade para reverter a ampla rejeição ao governo Lula e a iminente implosão de sua “frente ampla”. Para isso, eles buscam forjar uma nova plataforma de unidade da burguesia nacional para as eleições presidenciais de outubro de 2026.

A via eleitoral buscada pelo PT no Brasil remonta às recentes eleições em abril no Canadá e em maio na Austrália. O Partido Liberal do Canadá e o Partido Trabalhista australiano enfrentavam uma crise profunda às vésperas das eleições. Eles conseguiram derrotar seus candidatos rivais, politicamente associados ao presidente fascistoide dos EUA, explorando a ampla rejeição popular à guerra comercial de Trump e apelando a um nacionalismo “defensivo”.

Nas semanas que antecederam o anúncio das tarifas dos EUA, o governo Lula enfrentava uma crise provocada por uma tentativa fracassada de aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Apresentada sob a falsa alegação de combater a desigualdade social no Brasil, essa medida foi meramente uma tentativa do governo de aumentar arrecadações sob seu “novo arcabouço fiscal”, que reduz gastos sociais e visa um déficit zero no orçamento deste ano. Ao final de abril, ele já havia feito cortes massivos nos orçamentos da saúde e educação.

Encurralado pelo que via como uma rebelião de seus partidos aliados no Congresso, o PT respondeu lançando uma campanha nas redes sociais que falsamente identificava as políticas do governo com distribuição de renda e a oposição que enfrentava com a resistência do “1% mais rico”.

Embora a associação do governo de austeridade de Lula com o combate à desigualdade social seja pura demagogia, o apelo de classe dessa campanha repercutiu nos anseios das massas e gerou a primeira resposta popular positiva ao governo no terceiro ano de mandato.

O PT imediatamente iniciou uma operação de marketing político ardilosa para canalizar o sucesso da referência a uma luta dos “pobres contra ricos” para uma defesa reacionária do Estado burguês e do nacionalismo. O ataque de Trump forneceu uma chave para essa manobra política criminosa.

Pesquisas de opinião encomendadas pelo PT neste contexto indicaram que “os eleitores estão desencantados porque esperavam mais de Lula do que uma reedição de programas como o Bolsa Família... No diagnóstico dos entrevistados... é preciso ir muito além disso”, reportou o Estado de São Paulo.

O PT reconhece que, por trás do colapso de sua coalizão burguesa reacionária, está sua incapacidade de conter as imensas contradições sociais acumuladas no Brasil. Sua campanha nacionalista é conscientemente voltada a prevenir a erupção de um movimento de massa da classe trabalhadora contra o capitalismo.

A pseudoesquerda, ou os “verdadeiros patriotas”

A resposta da pseudoesquerda e das centrais sindicais brasileiras à guerra tarifária de Trump as expõem como um apêndice da “frente nacional” convocada por Lula para salvar o sistema burguês apodrecido.

O nacionalismo reacionário da pseudoesquerda, toscamente disfarçado como “anti-imperialismo”, veio à tona com toda a força em uma manifestação de 10 de julho organizada pela Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, que reúnem sindicatos e movimentos sociais controlados pelo PT e o pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Originalmente convocado como um protesto para pressionar o corrupto Congresso brasileiro a taxar os super-ricos, o ato foi oportunamente transformado pela pseudoesquerda em uma manifestação chauvinista contra Trump e os “inimigos da nação”.

O líder do PSOL e principal orador do ato, Guilherme Boulos, apresentou-o como a manifestação dos “verdadeiros patriotas” em oposição a Bolsonaro e seus aliados, que “saúdam a bandeira [dos EUA]”. Reivindicando o simbolismo nacionalista enaltecido pelos fascistas brasileiros, Boulos anunciou: “A bandeira [brasileira] é nossa; os símbolos deste país são nossos e não deles”.

O papel detestável cumprido pelo PSOL fica aqui escancarado. Uma dissidência supostamente de “esquerda” do PT, formada em 2004 por uma série de tendências pablistas e morenistas, esse partido age cada vez mais abertamente como uma tropa de choque do governo PT e suas políticas capitalistas.

Em 15 de julho, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), controlada pelo PT, e outras centrais sindicais participaram de uma reunião de cúpula convocada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin com empresários brasileiros para definir uma resposta às tarifas dos EUA. No dia seguinte, os burocratas entregaram ao governo um documento intitulado “Propostas das Centrais Sindicais diante da Guerra Comercial: Soberania, Emprego e Desenvolvimento”.

O documento da burocracia sindical expressou seu apoio aos “posicionamentos do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal”, assim como do governo, e saudou as “manifestações de repúdio ao anúncio das taxações desmedidas, expressas por setores da imprensa e do empresariado”. Como resposta, propôs “criar espaços permanentes de concertação entre governo, trabalhadores e empresários”.

O programa dos sindicatos remonta diretamente a doutrina corporativista do Estado Novo de Getúlio Vargas dos anos 1930. Sob esse regime de inspiração fascista, sindicatos artificialmente criados pelo Estado eram declarados os representantes oficiais do “trabalho” e trabalhavam abertamente pela supressão da luta de classes, considerada danosa aos interesses da nação.

Na divisão de trabalho entre o governo PT e a pseudoesquerda para armar uma armadilha nacionalista mortal para a classe trabalhadora e a juventude brasileira, um papel particularmente nefasto é cumprido por organizações como o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que se apresenta fraudulentamente como “revolucionário” e “trotskista”.

O maior partido morenista no Brasil, o PSTU busca se apresentar como a ala mais à esquerda da “frente única nacional” contra o imperialismo, criticando partidos como o PSOL por sua subordinação ao governo e ao establishment político corrupto.

Apesar de uma retórica mais radical, a linha política do PSTU não é menos nacionalista e reacionária do que a do PT ou PSOL. Na realidade, uma vez se reivindica falsamente como uma alternativa de “independência de classe” no combate ao imperialismo, representa uma ameaça política mais grave à classe trabalhadora.

Em seu editorial “Brasil sob ataque do imperialismo: é hora de uma resposta independente dos trabalhadores”, o PSTU apresenta as medidas de Trump como uma “grave violação da nossa soberania e independência nacional”. Usando a mesma linguagem de Boulos, os morenistas definem o “verdadeiro caráter” de Bolsonaro e seus aliados como: “não são patriotas”.

Atacando o governo Lula e a “esquerda eleitoral e institucional” por sua postura “muito limitada”, o PSTU afirma a necessidade de “a classe trabalhadora entrar em cena para dar uma resposta à altura”, que definem como “um processo de ruptura real com o imperialismo”. Na prática, defendem que “as centrais sindicais, os movimentos estudantis e populares devem ser pressionados a sair da passividade e exigir medidas concretas do governo Lula para enfrentar os EUA”.

A essência dessa política é subordinar a classe trabalhadora brasileira às burocracias sindicais e políticas desacreditadas e diretamente à burguesia nacional e seu Estado.

Os mesmos objetivos reacionários são compartilhados por organizações como o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), filiado à chamada Fração Trotskista morenista. O MRT convocou “todas as organizações que se colocam no campo da Oposição de Esquerda” a realizar um “ato anti-imperialista independente do governo” durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE) que recepcionou o presidente Lula na última quinta-feira. O chamado do MRT foi atendido pelo PSTU e pelo Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), um racha recente do Partido Comunista Brasileiro stalinista.

As ações do PSTU e MRT resumem a essência política do pablismo e sua variante latino-americana identificada com o revisionista argentino Nahuel Moreno. A história do morenismo é marcada por seus esforços contínuos para sabotar a construção de partidos trotskistas genuínos à frente da classe trabalhadora na América Latina e para reabilitar as burocracias nacionalistas em crise, do peronismo ao stalinismo.

Nada é mais cínico do que a alegação dos morenistas de que defendem uma linha política internacionalista.

No parágrafo final da sua declaração, o PSTU proclama que a defesa da “soberania nacional” brasileira deve conectar-se “às lutas dos trabalhadores e imigrantes dos EUA contra o governo Trump”. Eles são incapazes de levantar os interesses objetivos que unificam os trabalhadores americanos e brasileiros, muito menos indicar como tais interesses se expressam no programa chauvinista que defendem.

A verdade é que os morenistas trabalham sistematicamente pela divisão da classe trabalhadora brasileira e americana. Seus esforços para minar o desenvolvimento da unidade revolucionária dos trabalhadores através das fronteiras nacionais são graficamente demonstrados em sua colaboração estreita com a burocracia encabeçada por Shawn Fain do United Auto Workers (UAW). Promovido tanto pelo PSTU quanto pelo MRT como uma direção sindical de “esquerda”, Fain busca subordinar os trabalhadores americanos a um programa nacionalista e corporativista e abraçou avidamente a guerra tarifária de Trump.

Contra o imperialismo: lutar pela revolução socialista mundial!

Defender os interesses genuínos da classe trabalhadora brasileira é impossível sem um rompimento com a dominação política da burguesia nacional e todas suas agências, incluindo o PT, a pseudoesquerda e a burocracia sindical.

A escalada da agressão do imperialismo americano só pode ser efetivamente respondida pela adoção consciente de uma estratégia internacionalista pela classe trabalhadora.

Os trabalhadores e a juventude no Brasil precisam compreender as dimensões globais e as forças de classe por trás das tarifas anunciadas por Trump. Elas não são um episódio isolado, muito menos um simples produto da “mente insana” do candidato a Führer dos Estados Unidos.

As tarifas de Washington envolvem mais do que uma agressão criminosa de um país mais forte contra um mais fraco. Elas marcam o colapso de toda a ordem capitalista do pós-guerra e um retorno, num patamar mais elevado, às condições explosivas da década de 1930 que conduziram à Segunda Guerra Mundial.

A adoção de métodos escancarados de dominação neocolonial pelos EUA é uma resposta ao declínio prolongado da hegemonia econômica da principal potência imperialista mundial. Essa crise se manifesta de forma aguda na América Latina, onde Washington vem sendo progressivamente escanteada pela China, seu rival econômico mais imediato, que se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e outros países da região.

O imperialismo americano enxerga a dominação do Hemisfério Ocidental como um objetivo estratégico central numa guerra mundial em desenvolvimento. A perseguição dessa ambição foi conscientemente intensificada sob o novo governo Trump, embora tenha avançado consistentemente nos governos Democratas anteriores.

Um fator decisivo na escolha do Brasil como alvo das tarifas de Washington é o papel que desempenha nos BRICS, o bloco comercial formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que recentemente incluiu mais meia dúzia de países, incluindo o Irã. Na véspera do ataque anunciado por Trump, o Brasil sediou uma cúpula dos BRICS. As discussões sobre o uso de moedas alternativas ao dólar no comércio entre os países do bloco foram caracterizadas por Trump como “políticas anti-americanas”.

Lula reconhece abertamente a dimensão da crise global. Em um artigo publicado em 10 de julho em jornais de nove países, o presidente brasileiro anunciou que 2025 “pode entrar para a história como o ano em que a ordem internacional construída a partir de 1945 desmoronou”.

Em resposta ao colapso da ordem capitalista global e à guerra mundial iminente, Lula oferece o antídoto patético da “refundação do multilateralismo” sob “bases mais justas e inclusivas”. A erupção da violência imperialista não passaria de um mal-entendido que pode ser solucionado se os líderes em Washington e nas capitais europeias adotarem seus princípios de Poliana para “encontrar convergências mesmo em cenários adversos”.

Esse programa – que corresponde ao beco sem saída da burguesia subordinada brasileira que Lula representa – resume a falência da perspectiva do “multipolarismo”. O fato de que os morenistas e outras organizações da pseudoesquerda sequer se preocupam em elaborar uma alternativa internacionalista aos apelos de Lula demonstra de forma cabal sua condição de mero apêndice da ordem nacional burguesa apodrecida.

A nova erupção das contradições que levaram às duas guerras mundiais só pode ser respondida pelos métodos da revolução socialista.

Como o WSWS enfatizou em sua perspectiva de 4 de abril, “A guerra global que está sendo desencadeada por Trump... expressa a insanidade do sistema capitalista, enraizada na contradição entre a produção globalmente integrada e a divisão do mundo em estados-nação rivais, nos quais a propriedade privada dos meios de produção e o lucro privado estão enraizados.”

O Grupo Socialista pela Igualdade brasileiro reitera seu apelo feito no Ato Online de Primeiro de Maio:

Nada seria mais fatal para a classe trabalhadora latino-americana do que ser tragada para a agitação nacionalista sendo promovida pelas classes dominantes em seus próprios países.

Os trabalhadores no Brasil e em toda a América Latina precisam romper com os meios políticos nacionais apodrecidos dominados pela burguesia e se unirem a seus irmãos de classe nos Estados Unidos e internacionalmente para lutar contra o capitalismo, a guerra e o fascismo.

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