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Perspectivas

10 anos do referendo na Grécia: As lições da traição do Syriza

Publicado originalmente em inglês em 12 de julho de 2025

Há um pouco mais de dez anos, o governo do Syriza (“Coalizão da Esquerda Radical”) na Grécia reverteu o resultado esmagador de um referendo nacional que rejeitava a austeridade. Em 5 de julho de 2015, os trabalhadores gregos deram um voto decisivo contra mais medidas de austeridade exigidas pela União Europeia. O Syriza respondeu impondo os cortes que a população havia acabado de repudiar.

O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras participa de reunião com legisladores do Syriza no parlamento grego em Atenas, 15 de julho de 2015. [AP Photo/Petros Karadjias]

O referendo foi uma experiência crítica para a classe trabalhadora internacional, com enormes lições políticas que possuem relevância urgente na situação política atual.

O Syriza chegou ao poder em janeiro de 2015 com a promessa de acabar com a brutal austeridade imposta pela União Europeia (UE). Nos anos anteriores, a Grécia se tornou o epicentro de um ataque global contra salários, aposentadorias e serviços sociais após a crise financeira de 2008. Nos anos anteriores à eleição, os trabalhadores gregos realizaram dezenas de greves gerais, em uma poderosa expressão de resistência aos cortes sem precedentes impostos a pedido do capital financeiro internacional.

Reportagens na imprensa, denúncias de líderes da UE e a retórica do próprio Syriza fomentaram ilusões de que o líder do Syriza, Alexis Tsipras, e seu ministro da Fazenda, Yanis Varoufakis, fariam oposição aos ditames da UE. Em toda a Europa e internacionalmente, partidos pseudoesquerdistas e “anticapitalistas” celebraram a vitória do Syriza como um avanço para a esquerda e um modelo de resistência à austeridade.

O Syriza agiu rapidamente para repudiar suas promessas eleitorais. Após formar um governo com os nacionalistas de direita Gregos Independentes (Anel) – um sinal para a classe dominante na Grécia e internacionalmente de que não representava nenhuma ameaça fundamental aos seus interesses – Tsipras e Varoufakis foram à Europa implorar por algumas migalhas que pudessem vender aos trabalhadores gregos. Quando essas ofertas foram rejeitadas, o Syriza assinou um acordo em que se comprometia a “abster-se de qualquer revogação” das medidas de austeridade e a “honrar as obrigações financeiras da Grécia para com todos os seus credores”.

Então, em um ato de cinismo grotesco, o Syriza convocou o referendo de julho de 2015 na expectativa de que a população, exausta e desmoralizada, votasse “Sim”, dando ao governo uma cobertura para sua capitulação. Embora formalmente endossasse um voto “Não”, o Syriza deixou claro que tal resultado provocaria a ira da Europa capitalista – e que não possuía plano, nem intenção, de resistir às exigências da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional.

Em uma declaração publicada em 3 de julho de 2015, dois dias antes do referendo, “A fraude política do referendo do Syriza sobre a austeridade da UE na Grécia,” o WSWS advertiu os trabalhadores com antecedência de que o referendo era uma armadilha política:

Se fosse para Tsipras explicar para os trabalhadores de maneira concisa o conteúdo de seu referendo, ele diria: cara a UE ganha, coroa você perde. Apenas cinco meses depois da vitória do Syriza nas eleições comprometendo-se a acabar com cinco anos de austeridade, o referendo foi convocado para encobrir politicamente a rendição para a UE. Tivesse o Syriza a intenção de lutar, não precisaria ter chamado um referendo sobre a austeridade da UE já rejeitada pelos gregos.

Essa avaliação foi confirmada no que se seguiu. A classe trabalhadora grega deu um esmagador voto “Oxi”/Não, com 61% contra 39%, em 5 de julho de 2015. Uma classe dominante furiosa exigiu medidas ainda mais severas. Tsipras imediatamente correu de volta a Bruxelas e, em 13 de julho, concordou com a ordem da UE, aprovando o pior pacote de austeridade já apresentado ao parlamento com os votos de mais de dois terços de seus representantes.

Nenhuma liderança do Syriza fez qualquer esforço para mobilizar a oposição da classe trabalhadora grega para derrubar esse governo de traidores – um movimento que teria ganhado apoio massivo em toda a Europa e internacionalmente. Varoufakis, por sua vez, renunciou, retirando-se para sua luxuosa casa em uma ilha.

Ao longo desses acontecimentos, o World Socialist Web Site e o Comitê Internacional da Quarta Internacional explicaram questões políticas fundamentais. Em uma declaração publicada em 30 de julho de 2015, “O que é a pseudoesquerda?”, o WSWS analisou a traição do Syriza como parte de um fenômeno internacional mais amplo.

O WSWS definiu a pseudoesquerda como forças políticas que “utilizam palavras-de-ordem populistas e discursos democráticos para promover os interesses socioeconômicos de estratos privilegiados e abastados da classe média”. A pseudoesquerda “opõe-se à luta de classes e nega o papel central da classe trabalhadora e a necessidade da revolução… O programa econômico da pseudoesquerda é, no essencial, pró-capitalista e nacionalista.”

O Syriza fez parte de uma tendência mais ampla que apareceu claramente durante a Revolução Egípcia de 2011, quando forças supostamente “de esquerda” intervieram para desviar uma grande agitação revolucionária em massa e canalizá-la de volta para a política burguesa.

Nos anos seguintes à traição do Syriza, trabalhadores e jovens encontraram experiências semelhantes ao redor do mundo: A “Maré Rosa” na América Latina subordinou a oposição aos interesses do imperialismo americano; o Podemos na Espanha se juntou a um governo de austeridade liderado pelo Partido Socialista da Espanha; Jeremy Corbyn desfez a oposição em massa à austeridade e à guerra no Reino Unido, e permitiu que a reacionária direita no Partido Trabalhista recuperasse o controle da direção do partido; e nos EUA, Bernie Sanders desviou o crescente descontentamento para apoiar em Hillary Clinton, Joe Biden e o Partido Democrata.

Os teóricos políticos Chantal Mouffe e Ernesto Laclau forneceram a estrutura ideológica para essa tendência. A sua concepção de “populismo de esquerda” rejeitou o marxismo e o papel central da classe trabalhadora, advogando em vez disso um renascimento do nacionalismo pequeno-burguês e do reformismo que não possuía reformas a oferecer.

Essas traições tiveram consequências catastróficas para a classe trabalhadora na última década, abrindo caminho para o enriquecimento contínuo de uma oligarquia super rica e mergulhando milhões na crise social.

Tirar as conclusões desses eventos não é uma questão de lamentar os fracassos ou a enganação de líderes e partidos específicos, mas de entender e rejeitar a falência de suas políticas.

Todos eles buscaram recrutar a classe trabalhadora para um programa de reformas mínimas, centradas em questões de identidade pessoal em vez de classe social. O seu programa, baseado na preservação do sistema capitalista, ignorou em grande parte as questões críticas de propriedade, a concentração de riqueza nas elites dominantes, níveis impressionantes de desigualdade social e militarismo imperialista.

Quando as escassas aspirações reformistas encontraram resistência das elites dominantes e de seu Estado, todos os traços de um programa reformista foram abandonados, e mais um governo de austeridade foi imposto.

Como Leon Trotsky observou em sua História da Revolução Russa:

Um partido reformista julga praticamente inabaláveis as bases do regime que ele se dispõe a reformar. Por esse lado, inevitavelmente, fica subordinado às ideias e à moral da classe dirigente. Ao estruturar-se sobre a espinha dorsal do proletariado, a socialdemocracia tornou-se nada mais do que um partido burguês de segunda qualidade.

A história novamente colocou diante da classe trabalhadora internacional a mesma questão apresentada na década de 2010, mas com as apostas muito mais altas hoje.

A emergência da pandemia de COVID-19 em 2020 desencadeou uma aceleração da austeridade capitalista, militarismo e contrarrevolução social. Milhões de vidas foram sacrificadas ao vírus para preservar os lucros corporativos. A inflação devastou os padrões de vida dos trabalhadores. Guerras eclodiram na Europa, um genocídio foi desencadeado em Gaza, e os orçamentos militares explodiram em todas as principais potências imperialistas – tudo para ser financiado através da destruição do que resta das conquistas sociais obtidas pela classe trabalhadora no século XX.

Junto a esses ataques, a classe dominante voltou-se cada vez mais para o fascismo e a ditadura, expressos de forma mais aguda na ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e no crescente autoritarismo dos governos capitalistas em todo o mundo.

Mais uma vez, os trabalhadores responderam com uma onda de greves e protestos. Os anos de 2022 e 2023 tiveram o maior número de dias de greve no Reino Unido desde a década de 1980. Nos EUA, 2023 teve mais greves importantes do que em qualquer momento nas duas décadas anteriores. Essa ação industrial foi acompanhada por movimentos de protesto sem precedentes, incluindo manifestações em massa contra o genocídio em Gaza no Reino Unido e os protestos “Sem Reis” de milhões nos EUA.

A repressão estatal a esses movimentos – e, acima de tudo, a contínua sabotagem da burocracia sindical – fez com que os trabalhadores buscassem respostas políticas além da militância nas greves e nas ruas. É esse processo que lançou Zohran Mamdani nos EUA, Jeremny Corbyn no Reino Unido, Jean-Luc Mélenchon na França e figuras similares em outros lugares ao centro das atenções. Até Varoufakis tem a audácia de se apresentar como uma figura de esquerda.

A realização das aspirações socialistas dos trabalhadores só pode ocorrer uma vez que as camadas avançadas da classe trabalhadora aprenderem a rejeitar e se opor ao semi-reformismo falido dos líderes que atualmente apoiam. Sem isso, a classe trabalhadora será forçada a repetir a experiência do Syriza – com consequências cada vez mais desastrosas.

Após descrever a lógica de um partido reformista, Trotsky contrapôs o Partido Bolchevique, construído acima de tudo por Vladimir Lenin, que liderou a Revolução de Outubro na Rússia em 1917:

A necessária distância da ideologia burguesa era mantidas no partido pela vigilância intransigente… Lenin nunca se cansou de trabalhar com seu bisturi, cortando os laços que um ambiente pequeno-burguês cria entre o partido e a opinião social oficial… o Partido Bolchevique pôde criar seu próprio meio, não apenas político mas também moral, independente da opinião pública burguesa e irredutivelmente oposta a ela.

É nessa tradição que os Partidos Socialistas pela Igualdade ao redor do mundo buscam conquistar os trabalhadores para o programa do internacionalismo socialista revolucionário. Encorajamos trabalhadores e jovens que veem a necessidade de um novo partido socialista da classe trabalhadora a estudarem a experiência do Syriza e as declarações publicadas pelo World Socialist Web Site. Estudem os princípios do Partido Socialista pela Igualdade – e tomem a decisão de se juntar a nós.

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