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PT em crise antes de eleições internas

O Partido dos Trabalhadores (PT) realizará neste domingo, 6 de julho, suas eleições diretas para os cargos dirigentes do partido em nível municipal, estadual e nacional. O novo presidente nacional do PT será o responsável por supervisionar as candidaturas do partido nas eleições gerais do ano que vem, principalmente a presidencial. 

Os candidatos à presidência do PT Romênio Pereira (segundo da esquerda para a direita), Edinho Silva (terceiro da esquerda para a direita), Rui Falcão (quarto da esquerda para a direita) e Valter Pomar (último à direita) no primeiro debate, em 2 de junho. [Photo by Ricardo Stuckert]

O atual presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é o provável candidato do PT na eleição presidencial do ano que vem. Em seu terceiro mandato como presidente (2003-2010 e desde 2023) e no quinto do PT desde o início do século, Lula tem levado adiante um programa de austeridade capitalista contra os trabalhadores em meio a uma inflação crescente que tem feito seu índice de popularidade cair gradualmente desde o final do ano passado, inclusive em regiões e entre os setores da população que votaram majoritariamente nele em 2022.

Essa crise acelerada tem soado o alarme dentro do PT. No final do ano passado, a debacle do PT nas eleições municipais já tinha feito o partido enfrentar uma ampla discussão interna, com tendências do partido atribuindo a derrota a uma falta de ampliação das alianças com forças direitistas até outras que avaliaram que a derrota foi causada exatamente pelas alianças com essas mesmas forças políticas. 

Para a eleição do ano que vem, existe um nervosismo crescente dentro do PT de que o resultado eleitoral do ano passado possa se repetir, incluindo um cenário em que Lula não consiga se reeleger contra um candidato apoiado pelo ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, que está inelegível e sendo julgado pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023. 

Esta eleição interna do PT é considerada por muitos a mais importante na história do partido. Dirigentes de longa data do PT e movimentos sociais que o orbitam têm criticado crescentemente tanto o partido como o governo Lula, alertando que o próprio futuro do PT está em jogo nestas eleições internas.

Diferentes táticas para reverter a crise no partido foram apresentadas nos debates realizados ao longo de junho entre os quatro candidatos a presidente nacional do PT. Em comum, no entanto, todos eles apoiam a reeleição de Lula, são dirigentes de longa data do partido desde a década de 1980 e suas origens políticas remetem a forças que ajudaram a fundar o PT.

O candidato apoiado por Lula e favorito na disputa eleitoral, Edinho Silva, da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), e o atual secretário de relações internacionais do PT, Romênio Pereira, começaram suas trajetórias políticas nas comunidades eclesiais da Igreja Católica. Junto com o assim chamado “novo sindicalismo” e os renegados pablistas, morenistas e lambertistas do trotskismo, elas tiveram um papel de destaque na criação do PT em 1980. 

Os outros dois candidatos, Rui Falcão e Valter Pomar, apresentam-se como sendo da “esquerda” do PT, evocando uma retórica socialista e anti-imperialista. Ambos iniciaram suas carreiras políticas, antes de ingressar no PT, em organizações que romperam com o stalinista Partido Comunista Brasileiro (PCB) antes e depois do golpe militar de 1964.

Pomar, nascido em 1966, foi membro do movimento de juventude do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), de inspiração maoísta. Seu avô, Pedro Pomar, foi um dos principais fundadores do PCdoB, que rompeu com o PCB orientado por Moscou em 1962, defendendo a guerra de guerrilha camponesa como sua principal estratégia. Após o resultado desastroso da Guerrilha do Araguaia liderada pelo PCdoB no final da década de 1960, Pomar foi assassinado junto com outros líderes do partido por agentes da ditadura militar em 1976.

Falcão, por sua vez, foi líder estudantil e membro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) durante a ditadura.

Embora o PCdoB e os defensores da luta armada contra a ditadura militar tenham rompido com o PCB, denunciando sua passividade e defendendo métodos mais radicais, eles nunca romperam com a teoria stalinista da revolução em duas etapas, continuando a defender que a revolução brasileira teria um caráter nacional burguês e que a burguesia nacional constituía uma força progressista na luta contra os latifundiários e o imperialismo. Há traços claros dessa perspectiva reacionária no discurso de esquerda tanto de Pomar quanto de Falcão atualmente.

Em um momento decisivo de suas carreiras no PT, Pomar e Falcão lideraram no início dos anos 1990 uma ruptura na tendência antecessora da CNB, a Articulação, em meio a uma crise aguda no PT após a dissolução da URSS, a implementação de políticas neoliberais no Brasil e um aumento nos ganhos eleitorais do PT. Em 1993, eles fundaram a Articulação de Esquerda, uma tendência da qual Falcão deixou em 1995 e que agora é liderada por Pomar.

O racha de Pomar e Falcão girou em torno do chamado “programa democrático e popular” do PT. Sua premissa de “acumular forças” para a construção do socialismo por meio de um governo que promovesse reformas estruturais de natureza “antilatifundiária, antimonopolista e anti-imperialista” foi abertamente repudiada pela Articulação, que buscava apelar para os setores mais amplos da burguesia para a eleição de Lula.

Tanto Falcão quanto Pomar continuam a invocar o programa supostamente “socialista” das origens do PT nos debates partidários. Essa fraseologia, de fato, nunca foi nada além de um disfarce para a orientação burguesa do PT.

Diferentes coisas estão em jogo nas eleições internas do PT, que têm dividido cada vez mais o partido. Entre elas estão a relação formal do partido com o governo Lula, cuja desmoralização ameaça a existência do PT como um todo, e a atitude do partido em relação às persistentes ameaças políticas colocadas pela direita fascista, representada por Bolsonaro e seus aliados. Não menos importante nas disputas internas são as alianças políticas para a eleição do próximo ano (ou seja, a negociação com outros partidos burgueses) e a distribuição de recursos dentro do aparato maciço e corrupto do PT.

Os candidatos a presidente do PT não deixaram de observar no debate de 2 de junho o estado devastador do partido hoje: longe de seus filiados, antidemocrático, com disputas amargas na direção do partido e voltado completamente para as eleições.

Rui Falcão declarou no primeiro debate: “temos que retomar nossos princípios fundantes. Ou como me disse uma companheira…: eu quero o meu PT de volta, aquele PT que tem a base dirigindo, aquele PT que está presente em cada território e não a cada dois anos nas eleições”. Para ele, isso também ameaça o PT de se tornar um partido “que não ganha eleição”.

Mesmo Edinho Silva, o candidato mais à direita nesta eleição interna do PT, não deixou de defender que o partido precisa “aprofundar a democracia interna”, voltando “a se organizar na base”. Caso contrário, ele alertou que o PT “caminha, evidentemente, para o enfraquecimento”, o que pode ter um resultado trágico: “Nós temos várias experiências no mundo de partidos de origem operária, partidos de esquerda, que se equivocaram, que erraram, e, infelizmente, decretaram o próprio fim”.

Valter Pomar tem sido um dos críticos mais vocais a vários aspectos destas eleições internas. Ele tem denunciado o candidato Silva por abuso de poder econômico, que realizou uma intensa campanha eleitoral, incluindo viagens às sedes municipais e estaduais do partido em todo o Brasil com um jatinho de um empresário rural filiado ao PT.

Numa entrevista de 10 de março ao programa Contramola, da TV247, Pomar ainda chamou a atenção para uma disputa interna crescente na CNB. Apontando para o controle do aparato em um partido que em 2022 recebeu mais de 500 milhões de reais do fundo eleitoral e em 2023 arrecadou quase 160 milhões de reais, ele questionou: “São divergências sobre o número de filiações que foram feitas ao PT nos últimos dias e semanas [com o objetivo manipular os resultados das eleições internas]? Ou é a discussão sobre quem vai controlar a tesouraria do partido?”

No último episódio da crise interna do PT, no início desta semana, três dos quatro candidatos – Pereira, Falcão e Pomar – publicaram uma carta conjunta que tratou da recente série de derrotas do governo Lula no Congresso, o que indica o desmoronamento de sua coalizão legislativa. A carta alertou desesperadamente: “A maioria do Congresso Nacional, inclusive os partidos de direita com ministros no governo federal, está tentando sufocar o governo Lula”.

Em resposta, eles propõem “Mobilizar a população”, “Substituir ministros” dos partidos de direita e “Cortar subsídios e isenções que beneficiam os super-ricos”. Essas medidas seriam “o caminho” para “a correlação de forças ser alterada” e “colocar o desenvolvimento do Brasil no centro da pauta, travado pelo capital financeiro e pelos setores voltados à exportação de produtos primários”.

A carta criticou indiretamente o candidato Edinho Silva, afirmando que “a militância petista precisa votar nas chapas e candidaturas que propõem sair da defensiva e ir para o embate”. Silva tem sido a figura mais associada ao apoio às políticas de austeridade do governo lideradas pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essa característica, no entanto, é elogiada como sendo uma qualidade essencial por aqueles que o apoiam como o candidato mais capaz de supervisionar a formação de uma nova “frente ampla” com partidos burgueses de direita para as eleições do próximo ano.

Resumindo o que está em jogo nesta eleição para o PT, Valter Pomar declarou no primeiro debate de candidatos a presidente do PT, em 2 de junho, que os filiados “essencialmente vão decidir qual Partido dos Trabalhadores vai existir até 2029.” Ele continuou: 

Vai ser um partido que defende o socialismo ou vai ser um partido que se adaptou ao neoliberalismo? É um partido que faz alianças para implementar o programa ou faz alianças que bloqueiam a implementação do programa? É um partido das lutas sociais ou é um partido prisioneiro da institucionalidade? Nós vamos ter um partido com instâncias controladas pela base ou nós vamos ter instância tuteladas pelos parlamentares?

Após 45 anos de existência do PT, os dilemas levantados por figuras como Pomar são de caráter totalmente fraudulento. Esses argumentos retóricos têm sido levantados repetidamente ao longo da história do partido por aquelas forças que buscam retratar a consistente trajetória de direita do PT como sendo algo acidental.

O PT surgiu em meio às lutas de massas da classe trabalhadora brasileira que minaram a ditadura militar no início da década de 1980 e serviu como um instrumento político para estabilizar o regime burguês. Os documentos de fundação do partido, preparados com a ajuda de renegados do trotskismo, falavam em “socialismo democrático” e na “independência política” da classe trabalhadora – ideias que reverberavam fortemente com as aspirações das massas trabalhadoras. Ao mesmo tempo, a direção do PT afirmava deliberadamente que rejeitava qualquer “dogma” ou “programa acabado”, ou seja, o marxismo e toda a história de seu desenvolvimento teórico.

Em um período em que a social-democracia, o stalinismo e as diferentes variantes do radicalismo burguês e pequeno-burguês foram totalmente expostos como inimigos mortais da classe trabalhadora e do socialismo, o culto ao empirismo do PT foi uma manobra consciente para desviar a classe trabalhadora de tirar as conclusões de sua experiência histórica internacional de luta revolucionária.

A trajetória do PT – de um partido de massas dos trabalhadores com orientação burguesa, passando por sua dominação cada vez mais nua e crua pelo aparato estatal e pelo distanciamento da classe trabalhadora e da juventude de mentalidade socialista até seu aparecimento como a escolha preferida do capitalismo para governar o país – foi estabelecida em seu começo político.

As disputas acirradas que estão surgindo dentro do PT são, elas próprias, a expressão da crise explosiva que todo o regime burguês no Brasil enfrenta, cujas imensas contradições políticas e sociais foram, em grande parte, absorvidas pelo próprio PT.

Figuras como Pomar e Falcão não falam apenas por si mesmas. Elas representam toda uma camada pequeno-burguesa que vê sua confortável existência financeira e política, intimamente ligada às universidades e às burocracias sindicais, ameaçada. Seus argumentos e dilemas retóricos são reproduzidos nos debates internos realizados nos partidos satélites de pseudoesquerda do PT, em primeiro lugar o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que compartilham uma base de classe comum.

A história expõe de forma inequívoca o papel reacionário dessas forças de pseudoesquerda dentro e ao redor do PT: fornecer uma cobertura de esquerda para esse partido burguês continuar impondo ataques capitalistas contra a classe trabalhadora e bloquear a emergência da classe trabalhadora como uma força política independente.

Uma alternativa socialista genuína no Brasil depende de uma avaliação sóbria da história e do papel do PT e de uma ruptura consciente com todo o meio do PT e da pseudoesquerda. Um novo movimento de masssas da classe trabalhadora deve ser construído em torno de um programa internacionalista socialista e por meio da construção de novas organizações de luta de base e de uma direção revolucionária, ou seja, a seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI)

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