Publicado originalmente em inglês em 30 de junho de 2025
Existem eventos que rompem a crosta da política oficial e da opinião gerida pela mídia, permitindo que o sentimento popular ecloda à superfície. A tarde de sábado no festival de música de Glastonbury, no Reino Unido, foi um desses eventos.
Os dias que antecederam o evento foram recheados de exigências de colunistas e políticos para que o trio de rap de língua irlandesa Kneecap fosse retirado da programação do maior festival de música e artes a céu aberto do mundo, com capacidade para 210.000 pessoas.
Isso atingiu seu auge quando o Primeiro-Ministro do Partido Trabalhista, Keir Starmer, disse ao The Sun que eles não deveriam ser autorizados a se apresentar. Os zeladores da opinião pública burguesa estavam preocupados que a postura pró-Palestina da banda – pela qual o membro Liam Óg Ó hAnnaidh (nome artístico Mo Chara) foi alvo de acusações forjadas de terrorismo – encontraria apoio popular maciço.
No final, foi ainda pior para eles do que temiam.
Os produtores da BBC tomaram a decisão covarde de não transmitir a apresentação do Kneecap ao vivo. Em vez disso, eles cortaram para a dupla de punk londrina Bob Vylan, que rapidamente liderou gritos de “Palestina livre, livre!” e “Morte, morte às Forças de Defesa de Israel!”. Uma multidão composta principalmente por jovens, que assistiu com desgosto e fúria enquanto as forças armadas de Israel travavam uma guerra criminosa de ocupação e genocídio, respondeu aos milhares.
Vylan dedicou a apresentação às pessoas “que estão perdendo seu espaço para falar pelo povo palestino e para se opor aos crimes que Israel, o Reino Unido, os EUA e grande parte do mundo ocidental são cúmplices”.
Uma hora depois, Amy Taylor, do grupo australiano Amyl and the Sniffers, disse ao público: “Estou pensando nas pessoas da Palestina”, e denunciou os governos trabalhistas na Austrália e no Reino Unido por “não fazerem nada”.
Um dia antes, a cantora pop irlandesa CMAT concluiu com uma saudação de “Palestina livre, livre!”. Elijah Hewson, da banda Dublinesa Inhaler, dedicou uma música ao “povo da Palestina, a qualquer pessoa inocente que está sofrendo de fome, sendo bombardeada ou alvo de genocídio em nome de alguns lunáticos”. Jordan Stephens, do Rizzle Kicks, convidou sua mãe ao palco vestindo uma keffiyeh e levantando uma bandeira palestina.
Em todos os casos, a resposta da multidão foi enorme.
A apresentação do Kneecap foi assistida por dezenas de milhares no Festival de Glastonbury – os organizadores tiveram que fechar a área ao redor do palco West Holts à medida que o número de pessoas aumentava – e será vista por milhões mais no BBC iPlayer.
O que ganhou ao trio uma audiência não foi apenas a postura principista que tomaram em defesa dos palestinos, mas sua maneira desafiadora: uma recusa em ceder um milímetro ou dar um passo para trás.
A apresentação de sábado foi feita nesse espírito. Um coro de vaias soou no início, enquanto vídeos de várias figuras denegrindo a banda e exigindo sua censura eram exibidos. Os três membros surgiram sob uma enorme ovação, com Mo Chara declarando: “Glastonbury, sou um homem livre!” e a multidão iniciando gritos de “Mo Chara Livre!”.
Naoise Ó Cairealláin (Móglaí Bap), sob aplausos constantes, referiu-se à brutal história de opressão do imperialismo britânico: “Não é a primeira vez que uma injustiça acontece com um irlandês no sistema de justiça britânico”.
Ele convocou um protesto do lado de fora da próxima audiência em 20 de agosto “e, mais importante, apoio à Palestina, pois é disso que se trata”.
Mo Chara disse à multidão: “Israel são criminosos de guerra. É um genocídio de merda”. O grupo agradeceu ao público por “Apoiar o Kneecap, apoiar a Palestina, apoiar a verdade de merda”. Tudo isso foi dito em meio a um mar de centenas de bandeiras palestinas. “Algum editor da BBC vai ter um trabalho”, brincou Mo Chara.
O significado dessa manifestação de apoio foi resumido por Móglaí: “Eles querem nos fazer pensar que o movimento palestino é pequeno, que a maioria não apoia a Palestina, mas nós somos a maioria”.
Além disso, o abismo e a hostilidade entre a maioria da classe trabalhadora e a classe dominante, sua mídia e seus governos, é vasto. O único canto que rivalizou com a força do sentimento de “Palestina livre!” foi, repetidamente, “Que se dane Keir Starmer!”.

Enquanto a mídia e políticos fazem de tudo para apresentar essa oposição social como predominantemente vinda da direita – como uma desculpa para promover o nacionalismo e a xenofobia anti-imigrante – o Festival de Glastonbury foi mais uma demonstração da realidade. Entre a vasta maioria da população, especialmente os jovens, e expressa pelos artistas mais pensativos e principistas, há um movimento agudo para a esquerda.
Como comprovado pela recepção do Kneecap no Coachella Festival noss EUA, que primeiro provocou a caça às bruxas contra eles, e o massivo protesto “Sem Reis” de milhões contra Trump, isso é um fenômeno global.
Além disso, a classe trabalhadora e a juventude estão se radicalizando rapidamente. O último grande momento político no Festival de Glastonbury foram os gritos de “Oh, Jeremy Corbyn!” em 2017, expressando as fases iniciais de um movimento à esquerda de trabalhadores e jovens que esperavam que ele liderasse uma luta contra o Partido Conservador, a direita do Partido Trabalhista e, especialmente, contra a violência e a guerra em estilo colonial.
Mas os anos que se passaram desde então deixaram sua marca na consciência de massa: o apoio aberto da elite dominante a um genocídio, o surgimento de uma guerra na Europa envolvendo potências armadas com armas nucleares, uma política de assassinato em massa em resposta à pandemia e muito mais. O corbynismo foi substancialmente desacreditado – acima de tudo por sua capitulação às mentiras de “antissemitismo de esquerda” que agora estão sendo usadas para justificar a criminalização de milhões.
O sentimento anti-imperialista e anti-trabalhista feroz e intransigente demonstrado no Festival de Glastonbury não será atendido pelas gentilezas reformistas, pelos apelos educados e pelo pacifismo de Corbyn. Houve outro rugido da multidão quando Mo Chara prometeu que todos “se lembrariam” das pessoas “que foderam tudo, assim como a história”.
Nem esse sentimento será intimidado por Starmer. O governo trabalhista está em crise, lançando um ataque policial após o outro, e defendendo uma contra-ofensiva popular maior a cada vez. Mais aplausos saudaram DJ Próvai ao mostra uma camiseta com a frase “Nós somos todos Palestina Action”, antes dos movimentos do governo para torná-la uma organização proscrita, tornando até mesmo expressões de apoio a seus membros como “terrorismo”.
Está cada vez mais claro que o governo Starmer e seus homólogos internacionais estão determinados a proscrever opiniões mantidas pela maioria da população e que eles são os realmente isolados.
Eles também sentem isso. Wes Streeting - o defensor da frente sionista - mostrou-se excepcionalmente reticente em uma entrevista na manhã de domingo à Sky News.
Há alguns meses, uma pergunta sobre os eventos no Festival de Glastonbury teria provocado uma diatribe de direita contra os opositores do estado israelense. Mas Streeting, conhecendo o equilíbrio da opinião popular, preferiu não “dar muita importância” ao dedicar tempo ao assunto. Ele também se sentiu obrigado a dizer: “diga à embaixada israelense para arrumar sua própria casa”.
Nada disso muda em nada a política pró-genocídio de Streeting.
O maior bloqueio à oposição ao genocídio de Gaza e aos apoiadores imperialistas de Israel é a atual liderança política do movimento anti-guerra e em prol da Palestina, bem como a falta de uma compreensão clara na classe trabalhadora sobre uma alternativa.
O sentimento político popular está muito à esquerda de Corbyn, Bernie Sanders e figuras políticas semelhantes em todo o mundo. Mas para ir além deles, deve e irá desenvolver um programa à altura: um movimento socialista revolucionário e internacionalista contra o genocídio e a guerra que mobilize a única força social poderosa o suficiente para derrotar os criminosos imperialistas em Downing Street, na Casa Branca e em todas as capitais da Europa, a classe trabalhadora internacional.