Publicado originalmente em inglês em 26 de junho de 2025
A vitória de Zohran Mamdani, um membro dos Socialistas Democráticos da América (DSA), nas primárias democratas para prefeito da cidade de Nova York é um evento de profunda importância política, com implicações nacionais e internacionais.
No centro financeiro do capitalismo mundial, onde os bancos, corretoras de imóveis e conglomerados de mídia exercem imenso poder, o establishment do Partido Democrata sofreu uma derrota significativa. O ex-governador de Nova York Andrew Cuomo, apoiado por Wall Street e pela mídia corporativa, foi decisivamente rejeitado pelos eleitores. Uma série de declarações de apoio de alto nível e enormes contribuições de campanha não apenas falharam em resgatar sua campanha — como alimentaram seu colapso.
Para os trabalhadores e os jovens, é necessário compreender claramente o que as eleições demonstram e o que não demonstram — e quais conclusões políticas devem ser tiradas.
A eleição destruiu uma série de mitos da política americana. Primeiro, existe o mito de que o socialismo é “tóxico”. Mamdani se identificou abertamente como um “socialista democrático”. As suas propostas de reforma — relacionadas ao aumento dos custos de moradia, necessidade de creches, e outros problemas sociais — certamente ressoaram com trabalhadores e jovens, além de segmentos da classe média, em uma das cidades mais caras do mundo.
Em segundo lugar, existe a afirmação de que a crítica ao genocídio de Israel em Gaza equivale a antissemitismo. A campanha de difamação financiada por bilionários liderada por Cuomo, que se centrou em acusações de antissemitismo contra Mamdani, teve o efeito contrário. Mamdani recebeu dezenas de milhares de votos entre os 1,2 milhão de residentes judeus de Nova York. A oposição popular à guerra e ao que Mamdani explicitamente chamou de genocídio foi um fator importante em sua vitória eleitoral.
Em terceiro lugar, a vitória de Mamdani refuta a narrativa da mídia de que a reeleição de Trump em 2024 marcou uma guinada à direita na população americana. A campanha de Mamdani se beneficiou da crescente oposição popular ao governo Trump, com o candidato apontando que Cuomo era apoiado pelos mesmos bilionários que financiam Trump. Apenas dez dias antes da votação, as maiores manifestações antigovernamentais da história americana ocorreram contra a ditadura de Trump, e Mamdani prometeu resistir aos ataques de Trump contra os imigrantes.
Em quarto lugar, as questões básicas que impulsionam a grande massa da população não giram em torno de questões política de raça e de gênero, incessantemente promovidas pelo Partido Democrata e seus veículos de mídia afiliados, mas sim em torno de questões de classe.
Os sentimentos que animam o voto em Mamdani estão colocando as massas em conflito com toda a ordem política. O que aterroriza a classe dominante não é o programa relativamente brando de Mamdani, promovido dentro da estrutura do Partido Democrata, mas o fato de que sua vitória mostra que o socialismo pode ganhar apoio massivo nos EUA, e em uma forma muito mais radical.
O governo fascista de Trump respondeu, previsivelmente, com denúncias histéricas. Em uma postagem nas redes sociais na quarta-feira, Trump declarou: “Zohran Mamdani, um lunático 100% comunista, acaba de vencer a primária democrata e está a caminho de se tornar prefeito”. Trump articula, na forma mais aberta e degradante, a brutalidade da elite dominante e seu medo do socialismo.
O establishment do Partido Democrata, que se opôs amargamente à campanha de Mamdani, está respondendo com uma mistura de elogios e ameaças. O líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, e a governadora de Nova York, Kathy Hochul, todos parabenizaram Mamdani por sua vitória na quarta-feira, com Schumer elogiando o que chamou de “campanha impressionante” de Mamdani.
Eles se abraçam como uma cobra que aperta sua vítima. De fato, a eleição primária ocorreu no mesmo dia em que os democratas da Câmara, incluindo Jeffries, demonstraram sua hostilidade à crescente oposição massiva a Trump quando votaram para derrubar uma resolução de impeachment contra a agressão militar criminosa e inconstitucional de Trump contra o Irã.
O nervosismo do Partido Democrata foi expresso de forma mais clara nos comentários do ex-secretário do Tesouro e presidente de Harvard, Larry Summers, que denunciou a “exaltação” de um candidato que “falhou em rejeitar um slogan de ‘globalizar a intifada’ e defendeu políticas econômicas trotskistas”. Summers declarou que Mamdani deve “evoluir” para tranquilizar aqueles comprometidos com uma “economia de mercado como um ideal americano”.
Por “economia de mercado”, Summers refere-se, é claro, à ditadura inquestionável da oligarquia financeira.
Se Mamdani resistir a essas pressões, o Partido Democrata não irá hesitar em sabotar sua campanha e tentar entregar a eleição geral ao atual prefeito, Eric Adams, que está concorrendo como independente, ou a algum outro representante submisso de Wall Street.
Nessas condições, a ilusão mais perigosa seria a de que o Partido Democrata pode ser transformado em um partido da classe trabalhadora — uma visão que Mamdani defendeu em seu discurso em 24 de junho, quando declarou que sua campanha era o “modelo para o Partido Democrata”, como um “partido em que lutamos pelos trabalhadores sem desculpas”.
Em seu artigo principal sobre a vitória de Mamdani, a revista Jacobin, afiliada aos DSA, declarou: “A corrida tem o potencial de remodelar a política nacional, alterando o equilíbrio de forças dentro do Partido Democrata e apontando o caminho para uma nova era de possibilidades para a esquerda”. Os DSA buscam, acima de tudo, manter o controle político do Partido Democrata e, assim, estrangular a oposição.
Na verdade, figuras como Alexandria Ocasio-Cortez, membro dos DSA, e Bernie Sanders — ambos endossaram Mamdani relativamente tarde, quando ele já havia começado a subir nas pesquisas — desempenharam um papel crítico em facilitar a violenta mudança da política americana para a direita.
Em 2016 e 2020, Sanders direcionou sua “revolução política” para Hillary Clinton e Joe Biden, e em 2024 apoiou Kamala Harris. Tanto Sanders quanto Ocasio-Cortez atuaram como defensores principais de Biden até o final, e durante todo o genocídio em Gaza e a guerra dos EUA-OTAN contra a Rússia na Ucrânia. Dessa forma, ajudaram a pavimentar o caminho para a reeleição de Trump, que aproveitou a profunda hostilidade ao Partido Democrata.
Em sua resposta à vitória de Mamdani, Sanders está promovendo a mesma linha. “Os democratas aprenderão com a vitória de Zohran Mamdani?,” ele escreveu no Guardian. Embora expresse a visão de que é improvável que a liderança do Partido Democrata mude seu curso, Sanders proclamou: “O futuro do Partido Democrata não será determinado por sua liderança atual. Será decidido pela classe trabalhadora deste país.”
Como Trotsky observou, pode-se muito bem esperar um milagre. O Partido Democrata, assim como o Partido Republicano, não é um vaso vazio. Assim como o Estado em si, os partidos representam interesses de classe. O Partido Democrata é um partido de Wall Street, das agências militares e de inteligência e de frações privilegiadas da classe média alta. Ele é o “cemitério dos movimentos sociais”. O que deve ser “decidido pela classe trabalhadora” não é o futuro do Partido Democrata, mas o imperativo de romper com ele e com todo o quadro da política capitalista.
A eleição em Nova York demonstra que existem enormes possibilidades para o desenvolvimento de um verdadeiro movimento socialista. As condições estão maduras, de fato, além de maduras para tal desenvolvimento.
Isso torna ainda mais essencial uma compreensão correta das questões políticas básicas, que aqueles que deram seu apoio a Mamdani, e o próprio Mamdani terão de enfrentar.
Os imensos problemas sociais que a classe trabalhadora enfrenta — guerra imperialista, ditadura, fascismo e níveis sem precedentes de desigualdade — não podem ser resolvidos dentro da estrutura política existente. É absolutamente impossível conduzir uma política progressista, muito menos socialista, dentro do Partido Democrata.
O socialismo não é um slogan de campanha ou uma série de propostas reformistas. Mesmo as limitadas reformas sociais apresentadas por Mamdani não podem ser alcançadas sem um ataque frontal à riqueza e ao poder da classe dominante capitalista. A classe dominante está se voltando para o fascismo, a ditadura e a guerra mundial. O seu poder sobre a sociedade só pode ser rompido através da expropriação da sua riqueza e da transformação das gigantescas corporações nas quais essa riqueza se baseia em serviços públicos de propriedade coletiva.
Os trabalhadores em todo o mundo tiveram uma riqueza de experiências com os resultados de movimentos que prometem reformas, mas não tocam nas bases da sociedade capitalista: o Syriza na Grécia, o corbynismo no Reino Unido, o partido A Esquerda na Alemanha e muitos outros. O resultado é inevitavelmente uma traição política e o fortalecimento da direita.
A realização de um programa socialista exige a intervenção da classe trabalhadora como uma força social e política independente. As primárias de Nova York são parte de um processo mais amplo: uma série de eventos que expressam a emergência de uma enorme oposição social e política entre trabalhadores, jovens e seções da classe média.
O Partido Socialista pela Igualdade (SEP) tem insistido que a tendência predominante dentro da classe trabalhadora, tanto nos Estados Unidos quanto internacionalmente, é a radicalização política e a oposição ao capitalismo. A eleição para prefeito de Nova York é uma confirmação dessa avaliação. Contudo, não confundimos a indicação com a realização. Embora o SEP reconheça a importância da vitória de Mamdani, não adapta seu programa político à ilusão de que seu sucesso eleitoral levará a uma mudança na natureza do Estado, na caracterização de classe do Partido Democrata e no caráter violento e opressivo do capitalismo americano.
Existe um crescente clima de resistência alimentado pela guerra, repressão, desigualdade e a aberta guinada em direção à ditadura. Mas a grande tarefa de desenvolver o movimento politicamente independente da classe trabalhadora como uma força organizada e consciente deve ser levada adiante. Essa é a perspectiva do Partido Socialista pela Igualdade, da Juventude e Estudantes Internacionais pela Igualdade Social e da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base. As fortificações de Wall Street não se desmoronarão sob a pressão da retórica eleitoral.
Leia mais
- Um balanço dos DSA de 2016 a 2023 após sua convenção
- Alexandria Ocasio-Cortez: uma agente menor do imperialismo dos EUA visita a América Latina
- Socialistas do Departamento de Estado: as sinistras operações da Jacobin e do DSA no Brasil
- As forças-tarefas de Sanders e Biden e o fracasso da “revolução política” de Sanders