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Nacionalismo pequeno-burguês contra o trotskismo: Partido da Causa Operária (PCO) defende repressão de Erdoğan na Turquia - Parte 2

Esta é a segunda parte de uma série de dois artigos. A primeira parte pode ser lida aqui.

Uma defesa aberta da ditadura capitalista

A imagem fraudulenta de Erdoğan como um opositor do imperialismo é usada pelo PCO para justificar a criação de ditaduras burguesas na Turquia e em outras partes do mundo.

Manifestantes no ato de Primeiro de Maio de 2023 em Istambul, na Turquia. [AP Photo/Khalil Hamra]

Respondendo ao que o WSWS reporta sobre a ocorrência de milhares de prisões políticas na Turquia, incluindo de lideranças de vários partidos de esquerda, o PCO faz uma racionalização criminosa que reproduzimos na íntegra:

Parte do trabalho de um partido revolucionário consiste, sim, na defesa dos direitos democráticos. É preciso, no entanto, acima de tudo, analisar qual o sentido geral do regime político em questão.

O governo venezuelano de Nicolás Maduro, por exemplo, prendeu mais de duas mil pessoas pelo seu suposto envolvimento em uma tentativa de golpe contra o chavismo. É possível que, rigorosamente falando, o governo tenha cometido algum ataque aos direitos democráticos de seus adversários? Sim, é possível. Esses ataques seriam necessários? Provavelmente não. No entanto, muito mais importante do que isso é a analisar: a serviço de que está a repressão do governo venezuelano?

Não é preciso ir muito longe para perceber que a repressão vem da luta do regime venezuelano contra o imperialismo. É um regime que, apesar de suas limitações, está tentando por [sic] um freio à ofensiva do grande capital contra o seu governo. Um regime que, inclusive, é apoiado por uma ampla mobilização popular, de características revolucionárias.

O fundamental na Venezuela não é a crítica de eventuais erros do governo no que diz respeito aos direitos democráticos, mas sim a mobilização do povo venezuelano contra o imperialismo. Os erros do regime chavista, neste sentido, devem ser tão-somente apontados quando conveniente para impulsionar uma luta ainda mais decidida contra os grandes inimigos da humanidade.

Da mesma forma, é preciso analisar o governo de Recep Erdogan. Qual o sentido geral da repressão do regime? O WSWS não responde, substituindo uma análise real por chavões pseudorrevolucionários.

A alegação de que o WSWS não respondeu a essa pergunta é outra falsificação deliberada da declaração do SEG. O SEG apresentou a construção de um regime autoritário na Turquia no contexto de antagonismos de classe crescentes e décadas de intensificação da guerra imperialista em toda a região:

O estabelecimento de um regime autoritário na Turquia, assim como nos EUA, não se deve às intenções deste ou daquele político, mas às necessidades objetivas da classe dominante. A ditadura da oligarquia capitalista sobre a economia e a sociedade traz consigo um regime de ditadura política.

A Turquia é um país dividido por antagonismos de classe ferozes e a classe dominante está sentada sobre um barril de pólvora social que está caminhando para uma explosão. A ditadura presidencial, que entrou em uma nova fase com a prisão de İmamoğlu, tem como alvo principal a classe trabalhadora. (...)

Hoje, mais do que nunca, a burguesia turca precisa de um regime ditatorial para implementar uma política alinhada com a crescente agressão do imperialismo dos EUA-OTAN, que é odiado pela esmagadora maioria do povo.

A Turquia é vista como um aliado fundamental nos planos do governo Trump de recolonizar o Oriente Médio sob o domínio total do imperialismo americano.

Em abril, Trump – o líder da principal potência imperialista mundial, os Estados Unidos – disse o seguinte sobre Erdoğan, o líder “anti-imperialista” da Turquia “rebelde”: “É um fato que eu gosto dele [Erdoğan], e ele gosta de mim... e nunca tivemos problemas... Ele é um cara durão. É muito inteligente”.

No final de maio, Erdoğan fez um comentário ainda mais revelador: “As relações turco-americanas não são tão insignificantes como algumas pessoas pensam. O Sr. Trump tem uma visão muito positiva da Turquia. A nossa visão sobre eles é a mesma. Temos uma relação forte baseada no respeito mútuo e sinceridade”.

O PCO conclui:

A prisão de Imamoglu é, independentemente de seu mérito jurídico, uma medida defensiva de Erdogan. É a tentativa do governo de impedir que um preposto do imperialismo seja vitorioso nas próximas eleições, o que configuraria um golpe de Estado contra o povo turco. Neste sentido, as manifestações em reação à sua prisão têm um caráter pró-imperialista. Não há nada de revolucionário nelas.

O WSWS “substitui uma análise real por chavões pseudorrevolucionários”, dizem aqueles que relatam ter encontrado “poucas informações sobre Imamoglu”, mas defendem sua prisão “independentemente de seu mérito jurídico”!

Essa argumentação como um todo é uma admissão direta de que o papel ambicionado pelo PCO não ultrapassa o de conselheiro mirim “de esquerda” de regimes burgueses.

Aqui temos um partido que define sua atitude em relação ao Estado burguês e seu aparato repressivo como uma questão de “conveniência”: se o regime burguês apoiado por eles comete “erros”, eles podem “apontá-los” quando “conveniente”.

Para o PCO, está completamente fora de questão a mobilização política independente da classe trabalhadora contra a burguesia e seu Estado na Venezuela, na Turquia ou em qualquer outro lugar do mundo.

Não é por acaso que, na declaração de 3.300 palavras do PCO, focada em atacar a oposição do WSWS ao nacionalismo burguês e efetivamente apoiar a perseguição de seus membros na Turquia, o termo “classe trabalhadora” aparece apenas duas vezes – em ambos os casos para proclamar seus interesses comuns com a burguesia nacional contra o imperialismo.

Muito além de um mero exercício retórico, os argumentos do PCO justificam sua relação ativa com tais regimes burgueses reacionários. O PCO aderiu e assumiu a frente do “capítulo brasileiro” da falida “Internacional Antifascista”, recentemente fundada por Maduro em sua tentativa desesperada de preservar seu regime em crise.

Essa iniciativa envolve também apresentar fraudulentamente o governo russo e seus objetivos de guerra reacionários como base consistente para travar uma luta contra o imperialismo. Uma segunda reunião do fórum de Maduro, para a qual o PCO enviou seus próprios delegados, foi realizada em abril em Moscou. Ela foi convocada pelo Partido Comunista da Federação Russa (CPRF) e recebeu saudações do presidente Vladimir Putin.

Uma luta consistente contra o imperialismo exige uma atitude de princípio por parte dos socialistas revolucionários. O movimento trotskista se opõe sistematicamente às intervenções imperialistas contra países como a Venezuela e expõe incansavelmente as invocações cínicas da “democracia” com o fim de impulsionar operações de mudança de regime.

Mas isso não implica dar qualquer apoio a governos burgueses falidos como o de Maduro, muito menos justificar as medidas repressivas que requer para se manter no poder. O CIQI atribui exclusivamente à classe trabalhadora venezuelana, e não ao imperialismo e suas agências locais, a tarefa de derrubar a ordem burguesa reacionária e estabelecer seu próprio governo.

A luta pelos direitos democráticos e pela independência política da classe trabalhadora

A atitude sem princípios do PCO em relação a questões políticas fundamentais, como a defesa dos direitos democráticos e a luta contra o fascismo, é exposta pelo contraste entre sua abordagem dos recentes acontecimentos na Turquia e no Brasil.

Na Turquia, o PCO defende a prisão do candidato presidencial que lidera as pesquisas “independentemente de seu mérito jurídico”, alegando que permitir que ele vença as eleições “configuraria um golpe de Estado”. Com base nisso, legitima a repressão brutal das manifestações de massa e a abolição dos direitos democráticos como “medidas defensivas” do regime de Erdoğan.

No Brasil, por outro lado, o PCO saiu em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e sua camarilha militar que tentou um golpe de Estado em 2022-23. Ele atacou o Grupo Socialista Brasileiro por expor a conspiração fascista, escrevendo provocativamente: “Um golpe muito peculiar, sem manifestantes armados, sem milícias fascistas e sem mobilização de tropas. É o golpe de Estado pacífico que só existe na cabeça da esquerda pequeno-burguesa”.

Jair Bolsonaro posa para fotos com os soldados durante exercícios militares anuais da Marinha, Exército e Força Aérea, em Formosa, no Brasil, em 16 de agosto de 2021. [AP Photo/Eraldo Peres]

O PCO descartou as vastas evidências contra os fascistas com desculpas jurídicas que nem mesmo os próprios advogados dos golpistas tiveram a audácia de apresentar: os depoimentos de atores-chave são “fofocas” e “delações não corroboradas”, mensagens trocadas no WhatsApp que revelam a execução do plano constituem “exercício da liberdade de expressão”, o documento descrito como a “minuta do golpe” discutido entre Bolsonaro e os comandantes militares é um “exercício acadêmico”.

Em sua busca de uma frente única com Bolsonaro e seus aliados, o PCO se refere aos direitos legais em uma linguagem bem diferente daquela que usou em relação à Turquia. Menos de um mês antes de publicar seu recente ataque contra o WSWS, o PCO lançou um apelo por ampla anistia aos participantes da conspiração de 8 de Janeiro. Ele concluía: “A defesa dos direitos democráticos não deve jamais escolher lados: ela exige que as ilegalidades sejam reparadas, independentemente de quem as sofreu”.

As posições contraditórias tomadas pelo PCO são produtos reacionários diferentes de um mesmo método político de manobras sem princípios em torno do Estado burguês.

Um fator significativo por trás da resposta desorientada do PCO aos acontecimentos políticos em seu próprio país é que ele também foi alvo do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi encarregado de suprimir a crise do Estado brasileiro.

Como explicou o WSWS, nenhuma das facções rivais da burguesia brasileira tem uma resposta progressista para sua crise, e ela continua sua marcha em direção a formas autoritárias de governo sob a administração do presidente Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). A corrida para a direita de todo o sistema político só pode ser detida pelo surgimento da classe trabalhadora como força independente.

Os trotskistas brasileiros, assim como o SEG na Turquia, mantêm uma defesa principista dos direitos democráticos, essenciais para a capacidade da classe trabalhadora se organizar contra o capitalismo. Confiamos essa tarefa não à burguesia reacionária e suas instituições falidas, mas às próprias massas trabalhadoras.

Consistente com seus princípios, o GSI se posicionou contra a censura do PCO pelo Estado e defende seu direito de expressar suas posições políticas, mesmo discordando fundamentalmente delas.

O PCO, por outro lado, tenta livrar-se das crescentes dificuldades impostas pela crise capitalista buscando brechas no próprio sistema político burguês: bajulando o governo do PT e regimes burgueses de outros países, setores das Forças Armadas brasileiras que compartilham sua ideologia chauvinista, ou diretamente os fascistas.

A trajetória reacionária do PCO

Essa política é o produto reacionário da trajetória do PCO, que tem origens nas operações oportunistas lideradas por Pierre Lambert na América Latina após romper com o CIQI e o trotskismo.

Pierre Lambert, dirigente da OCI.

Em um documento sobre a história do PCO, publicado em seu 30º aniversário, eles descrevem sua ruptura com a Organização Socialista Internacionalista (OSI) brasileira, em 1978, da seguinte forma:

Esta ruptura foi parte de mais um processo de crise no movimento trotskista internacional, com a cisão entre diversos partidos latino-americanos como Política Obrera (Argentina) e o Partido Obrero Revolucionario (Bolívia) com a organização francesa Organisation Communiste Internacionaliste (OCI), dirigida por Pierre Lambert, pelo seu abandono das mais elementares premissas do programa marxista. No entanto, não foi só nem principalmente no movimento internacional.

O PCO nunca fez um balanço sério da evolução política da corrente de Lambert e em que constituiu seu “abandono das mais elementares premissas do programa marxista”. Tal análise levaria necessariamente a uma exposição das concepções pablistas desenvolvidas por Lambert e pela OCI desde o final dos anos 1960.

A capitulação política de Lambert se manifestou da forma mais marcante na sua proclamação de que a Quarta Internacional fora efetivamente destruída pelo pablismo e precisava ser “reconstruída”. A política de “reconstrução” do movimento trotskista de Lambert não envolvia uma luta para assimilar e desenvolver os ganhos políticos da luta contra o revisionismo pablista. Pelo contrário, significava liquidar esses ganhos para deixar as mãos da OCI livres para forjar relações sem princípios com tendências de qualquer origem política.

A unificação com o POR boliviano e o Política Obrera argentino ocupou um lugar central nas operações oportunistas da OCI, levando à fundação do Comitê Organizativo de Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI) em 1972. O que unia os diferentes membros desse amálgama político não era um acordo sobre o programa e a história, mas sim uma necessidade comum de dar uma fachada internacional às suas práticas oportunistas nacionais.

Ao se apropriar ilegitimamente do prestígio conquistado pelo Comitê Internacional em sua luta inflexível contra o revisionismo, a OCI deu cobertura criminosa às traições que essas organizações cometeram contra a classe trabalhadora latino-americana.

Eles abraçaram o POR precisamente quando o partido centrista dirigido por Guillermo Lora – que apoiara os pablistas no rompimento de 1953 – estava sendo exposto por abrir caminho para a derrota da Revolução Boliviana nas mãos da reação fascista, subordinando a classe trabalhadora ao Estado burguês chefiado pelo general J.J. Torres.

A política de “reconstrução” dos lambertistas só produziu novas divisões, trocas ríspidas de acusações e imensa desorientação política, preparando o terreno para sua liquidação em partidos e governos burgueses, do Partido Socialista (PS) na França ao Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil.

O reconhecimento do PCO de que as origens da sua ruptura fundacional com a OCI não estão “principalmente no movimento internacional” é extremamente revelador. Desde sua criação, a Causa Operária (nome de sua publicação desde 1979) definiu sua política exclusivamente em torno de questões nacionais. As relações “internacionais” entre PCO, PO e POR foram abandonadas sem qualquer balanço, cada organização voltando-se para sua própria prática nacional.

As pretensões do PCO de negar a traição do lambertismo a partir de uma perspectiva nacional significam, na verdade, reafirmar a própria essência da degeneração pablista de Lambert.

A história da PCO é fundamentalmente a de uma tendência no interior – e mais tarde na órbita – do PT brasileiro. Em 1980, a Causa Operária ingressou no PT, seguindo a OSI lambertista e outras correntes pablistas associadas ao Secretariado Unificado de Ernst Mandel e Nahuel Moreno na Argentina. Os pablistas foram um dos principais responsáveis por desviar as lutas revolucionárias da classe trabalhadora brasileira que minaram o regime militar no final dos anos 1970. Ao promover Lula e sua burocracia sindical como a direção política legítima da classe trabalhadora, eles atuaram para subordinar essas lutas à reestabilização da ordem burguesa no Brasil.

Os líderes da OSI integraram-se quase imediatamente à facção de Lula e ascenderam a altos cargos na burocracia do PT, nos sindicatos e no Estado burguês. A Causa Operária, embora orientada para as mesmas forças, manteve uma fachada radical. Ela acabou expulsa do PT em 1995 e foi forçada a se estabelecer como um partido separado.

Até a década de 2010, o PCO buscava se apresentar como uma oposição revolucionária à direção do PT. Falava da “burocracia sindical lulista e as correntes pequeno-burguesas que a apoiavam” como uma tendência “contra-revolucionária e burguesa na defesa do regime político e de um Estado burguês semi-nacionalista”. Em contraste, apresentava-se como defensor da “independência da classe operária diante da burguesia”.

Mas a erupção de uma imensa crise da ordem burguesa brasileira e do próprio PT, que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, levou o PCO a uma guinada brusca. A desmoralização do PT e de seus sindicatos entre a classe trabalhadora e a perda de sua capacidade de dar estabilidade ao capitalismo brasileiro derrubaram os alicerces da política pseudorrevolucionária do PCO. Ele emergiu como um defensor aberto de Lula, do PT e do capitalismo nacional.

Como escreveu o GSI em sua resposta anterior ao PCO: “As condições políticas que deram base à atividade nacional oportunista do PCO e outras organizações pablistas estão hoje colapsando sob o impacto da crise capitalista e o avanço da guerra global”.

O novo ataque do PCO contra o WSWS ocorre em meio a violentas mudanças na situação global que estão alimentando erupções massivas da classe trabalhadora internacional com implicações revolucionárias.

Enquanto o CIQI luta em todos os países para dar expressão consciente aos interesses independentes da classe trabalhadora, partidos como o PCO têm objetivos diametralmente opostos. Sua pose nacionalista de esquerda pequeno-burguesa é apenas uma ferramenta para impedir o surgimento da classe trabalhadora como ator político independente. Uma vez que esse processo irrompe, eles tomam cada vez mais abertamente o lado da reação burguesa.

As questões políticas levantadas pela crise turca têm implicações diretas para os trabalhadores do Brasil. Como enfatizou a declaração do SEG, os problemas cruciais que a classe trabalhadora enfrenta derivam das contradições básicas da época imperialista do capitalismo, exacerbadas pelas últimas décadas de globalização, e só podem ser resolvidos na luta pela revolução socialista internacional.

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