Publicado originalmente em inglês em 29 de maio de 2025
Para um relato mais detalhado do ataque a Trotsky de 24 de maio de 1940, leia a parte 3 do ensaio “O último ano de Trotsky”, de David North.
Oitenta e cinco anos atrás, nas primeiras horas da manhã de 24 de maio de 1940, Leon Trotsky, o grande revolucionário marxista e colíder, ao lado de Vladimir Lenin, da Revolução Russa de outubro de 1917, foi vítima da primeira tentativa de assassinato por agentes stalinistas. Essa conspiração fracassada foi seguida por um ataque bem-sucedido do agente da polícia secreta stalinista (GPU), Ramón Mercader, em 20 de agosto de 1940.
Por volta das 4h da manhã do dia 24 de maio de 1940, um esquadrão de aproximadamente 20 assassinos stalinistas liderados pelo muralista mexicano David Alfaro Siqueiros foi admitido na casa de Trotsky em Coyoacán pelo guarda de plantão, Robert Sheldon Harte, um jovem membro do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP), que era responsável pela segurança de Trotsky. Disfarçados de policiais e armados com submetralhadoras, rifles automáticos e bombas incendiárias, os assassinos se dividiram em dois grupos, um com a tarefa de matar Trotsky e o outro de atacar a guarda de Trotsky. Eles também tentaram destruir o arquivo de Trotsky, incluindo o manuscrito incompleto de sua biografia de Stalin.
Em um artigo publicado logo após o ataque, intitulado “Stalin Busca Minha Morte”, Trotsky relatou os terríveis eventos daquela manhã:
Minha esposa já havia pulado da cama. Os tiros continuaram incessantemente. Mais tarde, minha esposa me disse que me ajudou a chegar ao chão, empurrando-me para o espaço entre a cama e a parede. Isso era bem verdade. Ela permaneceu de pé, ao lado da parede, como se quisesse me proteger com seu corpo. Mas, por meio de sussurros e gestos, eu a convenci a se deitar no chão. Os tiros vinham de todos os lados, era difícil dizer de onde. Em um determinado momento, minha esposa, como ela me disse mais tarde, conseguiu distinguir claramente os disparos de uma arma; consequentemente, o tiroteio estava sendo feito na sala, embora não pudéssemos ver ninguém. Minha impressão é que, ao todo, foram disparados cerca de duzentos tiros, dos quais aproximadamente cem atingiram bem ao nosso lado. Estilhaços de vidro das janelas e fragmentos das paredes voaram em todas as direções. Um pouco mais tarde, senti que minha perna direita havia sido levemente ferida em dois lugares.
Tendo passado pela Revolução Russa e pela Guerra Civil subsequente, Trotsky não estava desacostumado com tiros. Ele e Natalia mantiveram a compostura e se deitaram no chão enquanto as balas passavam voando por seus corpos. Milagrosamente, nenhum deles foi morto ou gravemente ferido. Trotsky lembrou que, logo depois que os assassinos saíram da sala, seu neto Seva, de 14 anos, passou a gritar.
A voz da criança na escuridão, sob os tiros, continua sendo a lembrança mais trágica daquela noite. O menino - depois que o primeiro tiro atravessou sua cama na diagonal, conforme evidenciado pelas marcas deixadas na porta e na parede - se jogou debaixo da cama. Um dos agressores, aparentemente em pânico, disparou contra a cama, a bala atravessou o colchão, atingiu nosso neto no dedão do pé e se alojou no chão. Os agressores jogaram duas bombas incendiárias e saíram do quarto de nosso neto. Gritando: “Vovô!”, ele correu atrás deles para o pátio, deixando um rastro de sangue atrás de si e, sob a mira de uma arma, correu para o quarto de um dos guardas.
Os assassinos conheciam o layout exato do local onde Trotsky morava e foram claramente auxiliados por agentes internos. Robert Sheldon Harte fugiu do local com os assassinos, levantando suspeitas de que ele estava envolvido na conspiração. Um mês depois, em 25 de junho de 1940, o corpo de Harte foi encontrado em um poço, coberto de cal e com duas balas na nuca. Trotsky, sem informações suficientes, não tinha como chegar à conclusão de que Harte era um agente. Mas nos anos e décadas seguintes, mais evidências se acumularam, e a liberação dos arquivos da GPU após a dissolução da União Soviética em 1991 provou que Harte era um agente stalinista e desempenhou um papel fundamental na tentativa de assassinato de 24 de maio.
Além de Harte, um agente ainda mais importante estava entre os guardas de Trotsky, como os documentos viriam a comprovar posteriormente. Enquanto o ataque se desenrolava, todos os guardas de Trotsky não conseguiram agir porque as suas armas emperraram depois de terem sido carregadas com a munição errada. O chefe de segurança responsável pelo carregamento da munição era Joseph Hansen, membro do SWP, que mais tarde informou ao FBI que havia entrado em contato com a GPU já em 1938.
A tentativa de assassinato de Leon Trotsky, em 24 de maio de 1940, ocorreu no contexto dos estágios iniciais da Segunda Guerra Mundial, que havia começado apenas oito meses antes, em 1º de setembro de 1939. A Batalha da França estava em andamento, com as forças francesas se rendendo aos nazistas em 22 de junho de 1940.
O assassinato de Trotsky em 20 de agosto de 1940 foi o crime político mais importante do século XX. Ele marcou o ponto culminante de uma onda global de terror desencadeada por Joseph Stalin na década de 1930, quando a burocracia stalinista foi transformada em uma força abertamente contrarrevolucionária. Como chefe da burocracia soviética que usurpou o poder da classe trabalhadora, Stalin estava determinado a destruir toda a oposição ao seu regime ditatorial, tanto dentro quanto fora da União Soviética.
Na URSS, o primeiro Julgamento de Moscou, em agosto de 1936, deu início ao Grande Terror, uma guerra lançada pela burocracia stalinista contra a classe trabalhadora socialista revolucionária e a intelectualidade. Entre 1936 e 1939, Stalin assassinou praticamente toda a liderança da Revolução de Outubro, além de centenas de milhares de socialistas, intelectuais marxistas e trabalhadores. Internacionalmente, a Terceira Internacional (Comintern), controlada pelos stalinistas, traiu conscientemente a Guerra Civil Espanhola de 1936-39, assassinando milhares de seus opositores de esquerda, socialistas e anarquistas, incluindo o sequestro, a tortura e o assassinato de Andreu Nin, líder do POUM (Partido Operário da Unificação Marxista).
A Quarta Internacional, liderada por Trotsky, sempre foi o alvo central dessa campanha global de terror político. Após a morte de Lenin, Trotsky liderou a luta para defender os princípios internacionalistas sobre os quais a União Soviética havia sido fundada, travando uma luta implacável contra a burocracia stalinista e seu programa nacionalista de “socialismo em um só país”. Os Processos de Moscou acusaram falsamente Trotsky e seus partidários de conspirar para assassinar Stalin e outros líderes soviéticos, colaborar com potências estrangeiras, inclusive a Alemanha nazista, e ter como objetivo restaurar o capitalismo na URSS. Antes do assassinato de Trotsky, a GPU organizou os assassinatos de várias figuras importantes do movimento trotskista, com o agente Mark Zborowski (vulgo Etienne) no centro de cada assassinato. Entre eles estavam:
- Erwin Wolf, um dos secretários políticos de Trotsky, assassinado pela GPU na Espanha no verão de 1937.
- Ignace Reiss, um desertor do stalinismo que declarou sua adesão à Quarta Internacional, assassinado pela GPU na Suíça em setembro de 1937.
- Leon Sedov, filho de Trotsky e co-pensador, que morreu em circunstâncias duvidosas em uma clínica de Paris em 16 de fevereiro de 1938, com todas as evidências apontando para seu assassinato pela GPU.
- Rudolf Klement, secretário da Quarta Internacional, sequestrado em Paris em julho de 1938 e morto pela GPU, com seu corpo desmembrado encontrado mais tarde no rio Sena.
Em 1939, Trotsky era o último líder sobrevivente da Revolução Russa. Expulso do Partido Comunista Russo (PCR) em novembro de 1927 e forçado a se exilar da União Soviética em fevereiro de 1929, a vida de Trotsky esteve sempre em perigo. Vivendo, como Trotsky descreveu, “no planeta sem visto”, os primeiros oito anos de exílio foram passados na Turquia, na França e na Noruega. Ele foi obrigado a deixar a Europa após o início do terror de Stalin e só recebeu asilo do governo nacionalista radical de Lázaro Cárdenas, no México, em dezembro de 1936, após um apelo do pintor socialista e simpatizante de Trotsky, Diego Rivera.
Apesar do isolamento de Trotsky, Stalin continuou a vê-lo como seu adversário mais perigoso. Especialmente sob as condições de uma nova guerra imperialista, o potencial revolucionário do movimento trotskista para atingir um público de massa estava sempre presente. Esse perigo que assombrava Stálin foi adequadamente descrito em 1937 pelo revolucionário Victor Serge, usando o nome carinhoso de “Velho” para Trotsky:
Enquanto o Velho viver, não haverá segurança para a burocracia reinante. Uma mente da revolução de outubro permanece, e essa é a mente de um verdadeiro líder. Ao primeiro choque, as massas se voltarão para ele. No terceiro mês de uma guerra, quando as dificuldades começarem, nada impedirá que a nação inteira se volte para o “organizador da vitória”.
Stalin determinou que, para manter seu poder e evitar a revolução, era necessário que Trotsky fosse assassinado. Pesquisas recentes descobriram que a conspiração para assassinar Trotsky no México foi concretizada pela primeira vez na primavera de 1939, com agentes da GPU chegando à cidade no ano seguinte. Um papel fundamental na preparação do ataque de 24 de maio foi desempenhado pelo Partido Comunista Mexicano (PCM), que realizou um Congresso Extraordinário em março de 1940, cujo tema central era o extermínio do trotskismo. O PCM contaminou a opinião pública nos meses anteriores ao ataque com denúncias venenosas de Trotsky em seu órgão oficial, La Voz de Mexico, bem como nas publicações El Popular e Futuro, que eles influenciaram. Os principais organizadores do ataque, David Alfaro Siqueiros, seu irmão Alfredo Siqueiros, Antonio Pujol e Pedro Zuniga Camacho, eram todos membros do PCM.
Em Moscou, o fracasso do ataque de 24 de maio foi visto como um desastre político. De acordo com o ex-general soviético e historiador russo Dmitri Volkogonov, “a notícia do fracasso da tentativa de assassinato deixou Stalin furioso”, levando-o a decidir que “tudo agora seria apostado na ação de um agente individual que há muito tempo estava instalado no México e que estava se preparando para cumprir sua missão”.
Em 26 ou 27 de maio de 1940, esse agente, Ramón Mercader (codinomes Jacques Mornard e Frank Jacson), recebeu a primeira missão de assassinar o próprio Trotsky. Na manhã de 28 de maio, ele foi apresentado a Trotsky por Sylvia Ageloff, membro do SWP que, desde 1938, atuava como contato de Mercader com o movimento trotskista. Conforme documentado meticulosamente na série de 2021 de Eric London, “Sylvia Ageloff e o assassinato de Leon Trotsky”, nos três meses seguintes Mercader e Ageloff conspiraram com seus agentes da GPU baseados na cidade de Nova York e na Cidade do México para levar a cabo o assassinato.
Publicamente, a imprensa stalinista aprofundou sua campanha de difamação contra Trotsky, retratando absurdamente a tentativa de assassinato de 24 de maio como um “auto-ataque” de alguma forma organizado pelo próprio Trotsky. Essa mentira descarada foi repetida pela imprensa burguesa mexicana e por outros veículos internacionais, apesar da total falta de provas. Em resposta a essas calúnias, Trotsky liderou uma vigorosa campanha para expor a conspiração stalinista contra sua vida. Em um artigo que escreveu após o assassinato de Trotsky, intitulado “Pai e Filho”, Natalia Sedova relembrou o período após o atentado de 24 de maio contra sua vida:
Ao mesmo tempo, Lev Davidovich [Trotsky] estava participando da condução da investigação do caso de 24 de maio. Seu ritmo lento preocupava muito LD. Ele acompanhou os acontecimentos de forma paciente e incansável, explicando as circunstâncias do caso ao tribunal e à imprensa, fazendo esforços sobre-humanos para refutar as mentiras óbvias e desesperadas ou os equívocos maliciosos, fazendo tudo isso com a intensa perspicácia que lhe era peculiar e não permitindo que um único detalhe escapasse de sua atenção. Ele atribuiu o significado adequado a cada coisa e as entrelaçou em um único todo.
Em 8 de junho de 1940, Trotsky publicou sua primeira declaração sobre o ataque, intitulada “Stalin Busca Minha Morte”. Desmascarando as alegações de “autoagressão”, Trotsky observou:
O fracasso acidental do ataque, tão cuidadosa e habilmente preparado, é um sério golpe para Stalin. A GPU deve se reabilitar com Stalin. Stalin deve demonstrar seu poder. A repetição da tentativa é inevitável.
O artigo documentou as denúncias públicas cruéis contra Trotsky feitas pelos principais stalinistas mexicanos antes da tentativa de assassinato, incluindo Vicente Lombardo Toledano, fundador e líder da Confederação dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), e Hernán Laborde Rodríguez, ex-líder do Partido Comunista Mexicano (PCM), que, apesar de se opor ao plano de assassinato, permaneceu um stalinista leal. Concluindo a declaração, Trotsky escreveu:
Eu vivo nesta terra não de acordo com a regra, mas como uma exceção à regra. Em uma época reacionária como a nossa, um revolucionário é obrigado a nadar contra a corrente. Estou fazendo isso da melhor forma possível. A pressão da reação mundial se expressou talvez de forma mais implacável em meu destino pessoal e no destino das pessoas próximas a mim. Não vejo nisso nenhum mérito meu: é o resultado do entrelaçamento de circunstâncias históricas. Mas quando pessoas do tipo de Toledano, Laborde e outros me proclamam um “contrarrevolucionário”, posso tranquilamente ignorá-los, deixando o veredicto final para a história.
Em uma declaração de 17 de agosto de 1940, “A Comintern e a GPU”, publicada apenas três dias antes de seu assassinato, Trotsky desenvolveu esses temas, ao mesmo tempo em que montou uma defesa legal de si mesmo e expôs ainda mais a conspiração stalinista contra sua vida.
Após a morte de Trotsky, o SWP não realizou nenhuma investigação aprofundada. Durante décadas, o partido ficou em silêncio sobre o assunto, deixando de investigar as conexões duvidosas entre Ageloff e Mercader, bem como a rede mais ampla de agentes da GPU que haviam se infiltrado no movimento trotskista e permanecido em seus postos, incluindo Mark Zborowski em Paris, Sylvia Caldwell em Nova York, Joseph Hansen na Cidade do México e outros. Durante os julgamentos de espionagem soviética da década de 1950 e início da década de 1960, que revelaram as maquinações de Zborowksi, dos irmãos Sobolevicius (Jack Soble, conhecido como Senin; e Robert Soblen, conhecido como Roman Well), Sylvia Caldwell (nome do partido usado por Sylvia Franklin) e outros, o SWP não escreveu nada em sua imprensa.
Foi somente em 1975, há exatamente 50 anos, que o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) iniciou a primeira investigação abrangente sobre o assassinato de Trotsky, denominada Segurança e a Quarta Internacional. Essa investigação revelou inúmeros fatos ocultos e reuniu todas as evidências disponíveis sobre o assassinato e a rede de agentes stalinistas envolvidos na conspiração.
Entre os fatos mais importantes estavam aqueles que lançaram luz sobre o papel desempenhado por Zborowski, Hansen, Harte, Caldwell e outros cuja história real havia sido encoberta ou ignorada por décadas. Naquela época, o SWP, sob a liderança de Hansen, havia abandonado o trotskismo. Por meio de solicitações da Lei de Liberdade de Informação (FOIA), a investigação descobriu que, a partir de 31 de agosto de 1940, Hansen iniciou relações com o FBI, tornando-se rapidamente um agente duplo do imperialismo americano. A partir do final da década de 1950, Hansen supervisionou a transformação do SWP em um partido antitrotskista repleto de agentes policiais, facilitando a reunificação sem princípios com os pablistas em junho de 1963.
O SWP e todas as várias tendências pablistas reagiram à Segurança e à Quarta Internacional com um encobrimento cada vez mais profundo da verdade por trás do assassinato de Trotsky. Todos eles denunciaram continuamente a investigação como “agent-baiting” [“provocação aos agentes”, em tradução livre], enquanto defendiam agentes comprovados como Harte, Hansen, Caldwell e até mesmo Zborowski. Em uma declaração pública, eles acusaram o CIQI de “profanar o túmulo de Robert Sheldon Harte”.
Todas as acusações feitas pelo CIQI foram completamente fundamentadas na época e só foram confirmadas posteriormente, inclusive com a divulgação dos telegramas de espionagem soviéticos (documentos Venona) após a dissolução stalinista da URSS em 1991. Apesar da prova definitiva de que Harte, Franklin e outros eram agentes da GPU, o SWP e outras organizações pablistas nunca admitiram a veracidade da investigaçãoe, na verdade, continuam a falsificar o histórico. Até hoje, um memorial a Harte permanece no museu Trotsky em Coyoacán, controlado politicamente pelos pablistas, que continuam a honrar a memória desse agente comprovado.
Nos próximos meses, o CIQI e o World Socialist Web Site comemorarão ainda mais o 50º aniversário do início da Segurança e a Quarta Internacional, apresentando o vasto conjunto de evidências compiladas pela investigação e as conclusões políticas de longo alcance que devem ser tiradas. Esse legado, intimamente ligado à luta central do século XX - a luta entre o trotskismo e o stalinismo - é indispensável para a educação política de uma nova geração de socialistas que está entrando hoje na política revolucionária.
Para um relato mais detalhado do ataque a Trotsky de 24 de maio de 1940, leia a parte 3 do ensaio “O último ano de Trotsky”, de David North.