Professores, alunos, pais e funcionários escolares realizaram inúmeros protestos locais na segunda-feira e na terça-feira contra o afastamento arbitrário de 25 diretores da rede pública municipal de São Paulo, uma das maiores do continente americano.
A principal alegação do prefeito direitista Ricardo Nunes para o afastamento dos diretores é que as escolas tiveram, entre 2019 e 2023, uma piora nas notas em duas avaliações externas, a Prova Brasil e a Prova São Paulo, que determinam respectivamente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana (IDEP). Essas avaliações externas são realizadas a cada dois anos e ocorrerão novamente no final deste ano.
A prova não foi realizada em 2021 por causa da pandemia de COVID-19, que forçou os alunos a ficarem praticamente um ano e meio fora da escola entre 2020 e 2021. Particularmente para os alunos em fase de alfabetização, como foi o caso dos alunos do quinto ano do ensino fundamental que fizeram as avaliações externas em 2023, e considerando ainda a impossibilidade de muitos realizarem o ensino remoto, uma piora no IDEB era mais do que esperada.
O prefeito Nunes tem avançado a passos largos uma política pró-corporativa de responsabilização de professores e diretores baseada nos resultados de avaliações externas. Em novembro passado, ele avançou o argumento reacionário da extrema direita mundial de que existe uma suposta doutrinação esquerdista nas escolas, dizendo: “Temos escolas que estão trabalhando com um conceito ideológico enorme e o IDEB é lá embaixo.”
Em fevereiro, Nunes ainda declarou: “Todo mundo recebe o mesmo salário, tem a mesma estrutura [de trabalho]. Como é que tem escola com nota 7 e outras com nota 4,5? Não podemos aceitar de jeito nenhum que isso aconteça.”
Como tem acontecido em todo o mundo, a política de responsabilização baseada em avaliações externas tem aberto o caminho para a privatização da educação. No início do ano, o prefeito Nunes anunciou sua intenção de transferir as 50 escolas mais vulneráveis da rede pública municipal para a iniciativa privada. De fato, como reportado pela Folha de S. Paulo, “A maioria das escolas afetadas pela medida trabalha com alunos de alta vulnerabilidade socioeconômica e com deficiência.”
A comunidade escolar da EMEF Mario Lago, uma das escolas que teve seu diretor afastado, escreveu numa “Carta de Repúdio” que essa medida “é pautada pela ótica neoliberal” do prefeito Nunes, desconsiderando ainda “um cenário de salas superlotadas, estudantes com deficiência sem AVEs [funcionários], estagiárias e professores especializados.” Listando os vários projetos que a escola realiza, como ginástica artística, balé, música, artesanato, horta, xadrez, a fanfarra, imprensa jovem e muitos outros, ela escreveu que “A retirada da Direção de Escola não apenas desrespeita os/as profissionais e estudantes envolvidos, como ameaça o avanço de projetos educacionais que já demonstraram sua relevância social e a importância para a comunidade.”
Os diretores afastados farão um curso de formação até o final do ano oferecido pelo think tank educacional pró-corporativo Instituto Ayrton Senna e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Durante esse período, eles serão substituídos por interventores. Muitos especialistas alegam que tal medida não possui embasamento legal, configurando assédio moral e abuso de poder. O Ministério Público questionou o prefeito Nunes se os diretores tiveram a oportunidade de fazer uso do contraditório e do direito à ampla defesa.
Amplas questões políticas estão por trás da decisão do prefeito Nunes. O afastamento dos diretores está previsto no “Programa Juntos pela Aprendizagem”, instituído no final de abril pela prefeitura de São Paulo em meio a uma greve de três semanas de professores e funcionários por melhores salários e contra a privatização de escolas. Muitas escolas com diretores afastados tiveram uma participação ativa na greve.
Além disso, essas escolas possuem um vínculo estreito com a comunidade escolar onde estão localizadas, realizando projetos pedagógicos diferenciados que já foram reconhecidos nacional e internacionalmente. Esse fato foi chamado a atenção pela Congregação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que numa moção de repúdio escreveu que esses projetos são comprometidos com “o princípio constitucional da Gestão Democrática da Educação Pública” e “com o enfrentamento das desigualdades e das discriminações.”
O afastamento dos diretores em São Paulo possui um claro objetivo político: intimidar professores e diretores de toda a rede pública municipal e deixar claro que nada impedirá o prefeito Nunes de privatizar escolas. O que aconteceu inicialmente com esses 25 diretores com certeza atingirá outras dezenas e abrirá o caminho para o afastamento e a demissão de coordenadores pedagógicos e professores que se levantarem contra a política educacional pró-corporativa do prefeito Nunes.
Comentando a medida do prefeito Nunes, a especialista em educação, Helena Singer, declarou ao site Educação Integral que “Afastar um diretor e colocar um interventor em seu lugar é um feito absolutamente autoritário e inédito no contexto democrático. É nível de ditadura civil. Esse tipo de medida só é tomado quando há denúncia de crimes como corrupção, abuso, assédio. Não há justificativa para o afastamento e ele deve ser revogado.”
Os ataques à educação em São Paulo fazem parte de uma ampla ofensiva da elite dominante mundial contra os direitos sociais e democráticos da classe trabalhadora à medida ela vira em direção ao fascismo e à guerra. Esse movimento é personificado pelo “motosserra” do presidente fascista argentino Javier Milei, que tem como aliado o presidente Donald Trump nos EUA e o ex-presidente fascista Jairo Bolsonaro no Brasil, que trabalhou para a reeleição do prefeito Nunes em São Paulo no ano passado.
Como tem acontecido na Argentina e nos EUA, a classe trabalhadora e a juventude de São Paulo não têm deixado esses ataques acontecerem sem resistência. Na sexta-feira passada, um dia depois de os diretores ficarem sabendo de seu afastamento e no último dia deles em suas escolas, as comunidades escolares realizaram homenagens emocionadas a eles. Na segunda-feira e na terça-feira, as aulas foram paralisadas em muitas escolas e a comunidade escolar realizou atos contra o afastamento dos diretores.
Na EMEF Espaço de Bitita, na região central de São Paulo, alunos seguravam cartazes na porta da escola dizendo: “Uma prova não define um estudante!” e “Somos a voz do futuro e dizemos não à privatização escolar.” Num cartaz com as bandeiras de vários países, era possível ler: “Minha escola não é só português e matemática, mas acolher as pessoas. Minha escola é meu lugar seguro. Eu defendo meu diretor.”
A EMEF Espaço de Bitita é a escola de São Paulo que mais possui alunos migrantes, com mais de 40% deles vindos de praticamente todos os continentes. Segundo um vídeo e um texto do coordenador pedagógico Carlos Eduardo que viralizaram nas redes sociais, no início da década passada chegaram os primeiros alunos bolivianos e peruanos de famílias que vieram trabalhar na indústria e no comércio de tecidos nos bairros do Brás e do Bom Retiro, vizinhos à escola.
“Hoje”, ele continuou, “nós recebemos um grupo grande que vem do Paquistão, do Afeganistão, de Marrocos, do Egito, de Bangladesh, de Angola, do Congo. Esse grupo de crianças se depara com uma língua que é outra... Parte desse grupo não frequentou a escola onde estavam.”
Além dos alunos migrantes, a escola começou a receber em 2018, após anos de agravamento da crise econômica e social no Brasil, alunos de três centros de acolhimentos para crianças e adultos em situação de rua. Dos cinco alunos em 2018, hoje a escola possui mais de 120, muito deles que recorrem à Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno para terminar o ensino fundamental.
Segundo o coordenador Eduardo, essas características fazem da EMEF Escola de Bitita uma “escola de passagem”, caracterizada por uma alta rotatividade de alunos. “Os estudantes vm morar na região junto ao centro de acolhimento, e do mesmo jeito que chegam, partem para outros lugares. ... entre fevereiro e maio, foram 98 transferências. Saíram 98 estudantes, chegaram 98 estudantes, só no ensino fundamental” (sem considerar a EJA). Muitos deles são “vítimas de violência e [da] desigualdade social [e] chegam com uma experiência escolar bastante defasada, [que] por vezes passaram no mesmo ano por quatro ou cinco escolas.”
Em 2023, ano da Prova Brasil e da Prova São Paulo, o coordenador Eduardo disse que “num quinto ano, nós tivemos a saída em massa de estudantes que estavam acolhidos” devido à especulação imobiliária e a gentrificação de bairros ao redor da escola. “Numa mesma sala, ao longo do ano, 20 pessoas saíram de 32. Das que chegaram, ... 10 [das 20] eram migrantes, recém-chegados ao país. Estavam chegando em abril, maio, junho. Em novembro, eles teriam que fazer uma avaliação que definiria o IDEB da escola.”
Além disso, a turma tinha três crianças com deficiências ou transtornos, um número que cresceu enormemente nas escolas de São Paulo desde o final da década passada. “A professora habilitadíssima, muito experiente”, segundo o coordenador Eduardo, “buscou todas as maneiras para alfabetizar. E, mais do que isso, alfabetizou essas crianças. Evidentemente elas não teriam a proficiência esperada para uma criança de quinto ano que faz uma avaliação. Bom, a nota veio, 4,8.”
Por todo o trabalho com os alunos migrantes e em situação de vulnerabilidade social, a EMEF Espaço de Bitita recebeu vários prêmios nacionais e internacionais. Boa parte desse trabalho se deve ao diretor Claudio Marques. Nascido na Bahia, ele recebeu no ano passado o título de cidadão Paulistano e possui uma ampla formação pedagógica, que inclui um pós-doutorado pela USP. Tendo sido afastado nos últimos dias, a escola dirigida por Marques já foi celebrada na década passada pelos bons resultados no IDEB. Em 2017, ela superou a meta de 6 e alcançou 6,1 no quinto ano do ensino fundamental.
Em entrevista ao site Metrópoles, Cláudio explicou que “a estratégia [do prefeito Nunes] é pegar as escolas mais combativas, onde tem direções inseridas no território, para fazer o primeiro embate da privatização.”
Os ataques mais recentes à educação em São Paulo se cruzam com a extrema desigualdade social em São Paulo, uma megalópole de 12 milhões de habitantes onde as elites dominantes têm procurado extrair o máximo de lucro em detrimento do desmantelamento dos serviços públicos e da transformação da cidade num lugar onde as grandes empresas – desde as do setor da educação, passando pela construção civil até as organizações sociais que controlam boa parte da saúde pública na cidade – podem assegurar seus lucros de maneira irrestrita.
Nas últimas semanas, além da comunidade escolar lutando contra a privatização, São Paulo registrou protestos contra a remoção de centenas de famílias morando em favelas em regiões com alto interesse da especulação imobiliária. Professores da rede pública estadual têm realizado greves de um dia seguidas desde o início do ano e servidores públicos municipais realizaram uma greve de três semanas em abril contra os amplos ataques aos serviços sociais do prefeito Nunes.
Esse movimento crescente precisa se unificar por baixo com os professores da rede pública municipal e suas famílias lutando contra o afastamento de diretores e os planos de privatização da educação do prefeito Nunes. Mais importantemente, a realidade social em São Paulo é encontrada em todas as grandes cidades do mundo onde sua população enfrenta os mesmos agudos problemas. Isso coloca a necessidade da construção de movimento internacional unificado contra a origem da ofensiva privatista e dos ataques aos direitos sociais, o sistema capitalista.