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A perspectiva falida do ato antiguerra de 24 de maio da morenista Révolution permanente em Paris

Publicado originalmente em inglês em 23 de maio de 2025

Em 24 de maio, a organização morenista Révolution permanente (RP) sediará um ato em Paris da Fração Trotskista–Quarta Internacional (FT-QI), liderada pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina [e da qual faz parte o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) no Brasil, que publica o Esquerda Diário], sob o título “Contra o militarismo imperialista e a internacional da extrema direita”. Representantes das seções da FT-CI na França, Argentina, Alemanha, Espanha e Estados Unidos estarão presentes.

Paris, na França. [Photo by Jiuguang Wang / undefined]

O ato está sendo convocado em meio ao crescente descontentamento entre os jovens e estudantes em relação ao genocídio em Gaza, ao aumento do número de mortos nas guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e à ascensão do presidente fascista americano, Donald Trump, e seus aliados de extrema direita. Na França, onde as ameaças de Trump de guerra comercial global despertaram temores de um conflito mais amplo, as pesquisas mostram que 55% da população teme a eclosão da Terceira Guerra Mundial.

Longe de fornecer um caminho a seguir, o ato da RP representa um beco sem saída político para os jovens e trabalhadores que buscam se opor ao genocídio, à guerra e ao fascismo.

O que os trabalhadores e jovens carecem não é de raiva ou descontentamento, mas de uma perspectiva política clara — uma compreensão do que deve ser feito e quem deve ser combatido para interromper a acelerada espiral mortal do capitalismo. A FT-QI não oferece tal perspectiva. Em vez disso, procura reconciliar frases vazias sobre revolução, internacionalismo e trotskismo com suas alianças reais com partidos stalinistas, socialdemocratas e liberais a favor da guerra, assim como com burocracias sindicais nacionalistas.

Um anúncio do evento, publicado pela RP, afirma:

A ato ocorrerá enquantos principais potências da Europa se inclinam cada vez mais para o militarismo. Em meio a uma crise histórica nas relações transatlânticas, todos os chefes de Estado europeus estão se preparando para acelerar seu rearmamento militar. … Para que possam financiar o rearmamento e impor sua agenda militarista, esses líderes provavelmente atacarão nossas condições de vida e os direitos democráticos.

Na realidade, as potências imperialistas europeias não estão apenas “se preparando” para “se inclinar” para o militarismo — elas já estão se militarizando em ritmo acelerado. A UE adotou um plano de rearmamento de €800 bilhões e a Alemanha, sozinha, está perseguindo um aumento de gasto militar de €1 trilhão. Esses colossais orçamentos militares tornam uma coisa certa: a classe dominante buscará impor empobrecimento em massa e erguer regimes policiais fascistas para esmagar a oposição crescente na classe trabalhadora.

Trabalhadores e jovens não podem interromper a marcha para a guerra pelo voto. O aumento militar avança independentemente de qual partido capitalista esteja no poder — se sob fascistas como a primeira-ministra italiana e aliada de Trump, Giorgia Meloni, sob o que são chamados de “centristas” como o chanceler alemão Friedrich Merz e o presidente francês Emmanuel Macron, ou sob formações “esquerdistas” promovidas pela mídia, como o Podemos (Sumar) na Espanha. A RP comenta:

Nesse contexto, a Extrema Direita está se tornando cada vez mais atraente para as classes dominantes, de Trump e Musk nos EUA a Meloni na Itália, Milei na Argentina e Le Pen na França. Uma verdadeira internacional reacionária está emergindo, enraizada em políticas racistas e antitrabalhador.

Como sempre nos pronunciamentos da RP, o mais significativo é o que deixam de dizer. Deve-se perguntar: como é possível, após os horrores do fascismo, genocídio e da guerra mundial no século XX, que a burguesia possa novamente levar governos de extrema direita ao poder? Não é porque movimentos fascistas em massa, como os camisas marrons de Hitler ou os camisas pretas de Mussolini, estejam marchando nas ruas ou mobilizando milhões na Europa ou nos Estados Unidos.

Na verdade, as forças de extrema direita exploraram a profunda raiva social entre trabalhadores e jovens criada pelas traições dos partidos falsamente apresentados como “esquerdistas” pela mídia capitalista. A supressão das lutas dos trabalhadores por esses partidos criou as condições em que demagogos de extrema direita conseguem conquistar votos, inclusive entre setores da classe trabalhadora.

Como os trabalhadores devem lutar contra a guerra imperialista, o fascismo e o genocídio? A RP declara que seu ato em Paris tem como objetivo “ampliar a voz da esquerda socialista e da classe trabalhadora”, concluindo:

O ato proporcionará uma plataforma para enfatizarmos que somente a classe trabalhadora e os oprimidos têm a força para interromper o militarismo. Embora o militarismo tenha levado a massacres no passado, o que a classe dominante teme muito mais do que tanques ou mísseis nucleares são as lutas e revoluções. A melhor contribuição para a paz é lutar contra nossos governos, nossos patrões, nosso próprio imperialismo e seus planos de guerra, a partir de uma perspectiva internacionalista, operária e revolucionária.

A declaração não diz quem é essa “esquerda socialista”, como pretende “amplificar” a voz da classe trabalhadora ou qual “perspectiva revolucionária” realmente apoia. Ela permanece de forma evidente em silêncio sobre seus próprios laços e orientações a forças pró-imperialistas, como os Socialistas Democráticos da América (DSA), o partido Die Linke [A Esquerda] da Alemanha, o Podemos da Espanha, a Nova Frente Popular (NFP) na França e a burocracia sindical liderada por stalinistas da CGT.

Uma perspectiva revolucionária genuína requer uma luta política irreconciliável contra todas aquelas organizações que amarram a classe trabalhadora ao Estado capitalista. Porém, isso é precisamente o que a RP e a FT-QI não farão.

Para entender o papel da FT-QI, vale lembrar a luta de Leon Trotsky contra a política centrista na década de 1930. Em meio à crise revolucionária na França após a greve geral de 1936, e com a ameaça de uma Segunda Guerra Mundial se aproximando, Trotsky analisou o papel de Marceau Pivert — um socialdemocrata que criticou o governo da Frente Popular, mas se recusou a romper com o stalinismo e construir a Quarta Internacional. O centrismo, escreveu Trotsky:

teme romper suas relações amigáveis habituais com os amigos da direita, “respeita” opiniões pessoais; é por isso que lança todos os seus golpes contra a esquerda, procurando assim aumentar seu prestígio diante da opinião pública séria. … [Ele] absolutamente não compreende que um modo impiedoso de colocar as questões fundamentais e uma polêmica feroz contra as oscilações são apenas o reflexo ideológico e pedagógico necessário do caráter impiedoso e cruel da luta de classes de nosso tempo.

Um vasto abismo de classe separa Marceau Pivert do meio pequeno-burguês em que a FT-QI opera hoje. Pivert era um líder dentro de um partido operário de massas cujos membros lutaram por e conquistaram reformas significativas, incluindo a jornada de oito horas e férias remuneradas. Embora tenha ao fim rejeitado a luta pela construção de uma alternativa revolucionária ao stalinismo, ele permitiu que os trotskistas se juntassem ao seu partido, permitindo-lhes interagir com uma camada mais ampla da classe trabalhadora. Oitenta e cinco anos depois, a FT-QI não está trabalhando dentro de organizações operárias reformistas, mas orbitando em torno de partidos abertamente pró-imperialistas enraizados na classe média afluente.

Como a FT-QI bloqueia a luta de classes contra o fascismo e a guerra

Hoje, porém, os partidos pseudoesquerdistas compartilham uma inegável semelhança com os falidos políticos da França na década de 1930: confrontados com a ameaça do fascismo e o iminente perigo de uma guerra mundial, estão determinados a bloquear a luta revolucionária e são amargamente contrários a uma luta pelo trotskismo.

Os vários seções da FT-QI cumprem esse papel nos países onde operam. Na verdade, não se trata de uma internacional, no sentido de uma organização que tenha uma estratégia mundial unificada, mas uma coleção de várias organizações nacionais que se baseiam em manobras táticas orientadas para partidos burgueses e burocracias sindicais em seus respectivos países.

No ano passado, a organização espanhola Corrente Revolucionária dos Trabalhadores (CRT) lançou uma campanha eleitoral orientada principalmente ao pablista Anticapitalistas, que havia participado anteriormente do governo de austeridade espanhol do Partido Socialista (PSOE)-Podemos.

O Left Voice, a seção da FT-QI nos EUA, será representada em Paris por Julia Wallace, uma burocrata do sindicato SEIU e um proeminente membro do Black Lives Matter (BLM), que busca dividir a classe trabalhadora ao longo de linhas étnicas e bloquear uma luta unificada contra o capitalismo. Enquanto Wallace viaja para Paris, o Left Voice está defendendo dirigentes sindicais como o presidente do UAW, Shawn Fain, que apoia a guerra comercial nacionalista de Trump. Após criticar a declaração de Fain de que ele está “pronto para trabalhar com Trump” em “tarifas que sirvam ao interesse nacional e da classe trabalhadora”, o Left Voice ainda elogiou-o como “uma das figuras mais significativas na nova burocracia trabalhista progressista”.

Na Alemanha, embora não seja formalmente parte do partido A Esquerda — uma organização pró-imperialista que desempenha um papel crítico no Estado alemão — a morenista Organização Revolucionária Internacionalista (RIO) se orienta inteiramente a ele e às organizações que orbitam ao seu redor. Em resposta ao crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD), a RIO defendeu um movimento unificado que abarca não apenas a “esquerda”, mas também várias organizações de direita — todas responsáveis pelo crescimento da própria AfD.

O antitrotskismo do Left Voice e da FT-QI se estende à promoção de Anura Kumara Dissanayake, o presidente pró-austeridade do Sri Lanka e líder do partido ex-maoísta e chauvinista cingalês Janatha Vimukthi Peramuna (JVP). Em um artigo também publicado pela RP, o Left Voice reconheceu que a campanha de Dissanayake foi “marcada pelo chauvinismo cingalês-budista”, mas ainda assim afirma que poderia “ter sido uma esperança” para setores da população. A sua única queixa é que Dissanayake agora “deixou suas origens marxistas para trás” e abandonou “os elementos mais avançados de seu programa” — um programa já impregnado de nacionalismo e hostilidade à classe trabalhadora.

Aqui, a FT-QI fornece uma cobertura política para o regime pró-austeridade do JVP do Sri Lanka. Na realidade, o JVP foi um fervoroso apoiador da guerra comunal do Estado do Sri Lanka de 1983-2009 contra a população tâmil, incluindo o massacre de dezenas de milhares de combatentes e civis tâmeis em Mullaitivu. Também foi responsável pelo assassinato de membros da seção do CIQI no Sri Lanka, que tinham como alvo a oposição ao chauvinismo cingalês e a luta pela unidade dos trabalhadores cingaleses, tâmeis e muçulmanos.

A RP e a luta de classes na França

É impossível construir uma oposição séria ao imperialismo sobre essa base. Isso é exemplificado na França. A Révolution permanente surgiu do Novo Partido Anticapitalista (NPA) pablista como uma fração buscando recrutar jovens burocratas da CGT. À medida que os trabalhadores abandonavam as organizações stalinistas após décadas de traições, a RP não viu a necessidade de construir uma alternativa revolucionária, mas uma chance de avanço político e de carreira dentro do aparato sindical. Declarou:

Em meio ao declínio do PCF dentro da CGT e à crise de recrutamento, jovens dirigentes sindicais podem se encontrar rapidamente liderando organizações e estruturas sindicais importantes. … Todo o revolucionário que se preze deve prestar a maior atenção a esse fenômeno e buscar, a todo custo, convergir com essa nova geração.

Um teste decisivo da perspectiva da RP veio durante as greves em massa de 2023 contra os cortes na aposentadoria por Macron, impostos por decreto para financiar o rearmamento militar. A França foi mergulhada em sua mais profunda crise política desde Maio de 1968, enquanto Macron ignorava a oposição em massa e lançava a polícia contra os manifestantes. Durante a crise, a RP promoveu apenas a demanda de que a burocracia da CGT fornecesse um “plano de luta” contra Macron.

O Parti de l’égalité socialiste (PES), a seção francesa do CIQI, lançou o chamado para que a classe trabalhadora derrubasse Macron por tentar governar contra o povo. Em reuniões de trabalhadores e jovens durante os protestos, explicou:

O que deve ser feito é lançar um movimento político para tirar Macron do poder e derrubar  seu regime  por meio de uma greve geral. Assembleias gerais devem ser realizadas em todas as universidades e em todos os locais de trabalho na França para declarar que este presidente deve deixar o cargo. Para isso, a classe trabalhadora deve ser mobilizada independentemente de todas as burocracias que estão negociando com Macron, não lutando contra ele politicamente. Se esta assembleia votar uma resolução clara afirmando que Macron deve ser derrubado, que a presidência da Quinta República se tornou claramente a plataforma de uma ditadura ilegítima exercida pelos bancos contra os trabalhadores, isso pode ter um enorme impacto. Isso permitirá que os jovens vão a locais de trabalho, falem com os trabalhadores, incentivem eles a se reunir em assembleias gerais em seus locais de trabalho e a votar declarações semelhantes, criando assim as organizações através das quais os trabalhadores podem derrubar Macron, abolir a presidência antidemocrática da Quinta República e abrir caminho para que os trabalhadores assumam o poder coletivamente e construam o socialismo.

Mesmo com levantes eclodindo em toda a França, a RP se opôs a qualquer perspectiva socialista. Em reuniões de protesto em massa, delegados da RP rejeitaram moções apresentadas pelo PES defendendo uma greve geral e uma ruptura com a burocracia sindical.

“Eu não acho que a situação seja revolucionária”, disse o membro da RP, Juan Chingo. Afirmando que apoiava a revolução “no modelo jacobino”, ou seja, uma revolução burguesa nacional como a revolução de 1789, a RP defendeu que o “movimento de massas faça experiências com a democracia representativa burguesa e permita desenvolver a consciência da necessidade de auto-organização”. Ela se adaptou à interrupção da luta por parte das burocracias sindicais após a aprovação da reforma da previdência.

O que emergiu foi a lealdade fundamental da RP ao regime burguês — não ao socialismo, mas ao capitalismo sustentado por meio de alianças com o stalinismo. Isso foi confirmado novamente no ano passado, quando a RP apoiou um voto crítico para a Nova Fronte Popular (NFP), uma aliança do populista Jean-Luc Mélenchon, do o Partido Socialista das grandes empresas, do Partido Verde, do stalinista PCF e do NPA pablista.

Os avisos do PES sobre a falência e traição da NFP, uma aliança pró-guerra cujo programa defendia o envio de tropas francesas à Ucrânia, foram confirmados. Após formar um bloco eleitoral com Macron sob o pretexto de derrotar o RN neofascista, a NFP não promoveu protestos ou greves sérias quando Macron ignorou o resultado das eleições — na quais a NFP ficou em primeiro lugar — e instalou um governo minoritário de direita. A NFP desempenhou assim um papel decisivo em permitir que Macron mantivesse o poder.

Entre seus cúmplices estava a RP, que instou os trabalhadores a votarem na NFP com o argumento espúrio de que, dado que ela inclui o stalinista PCF, a NFP faz parte do “movimento dos trabalhadores”. Embora tenha reconhecido que o PCF está “longe de se opor a medidas de lei e ordem, xenofóbicas e islamofóbicas e às vezes até ajuda a promovê-los”, a RP ainda justificou seu apoio afirmando: “Enquanto o PCF serviu em vários governos de esquerda, esse partido alega fazer parte do movimento operário e mantém uma certa base de classe trabalhadora de seu passado ou certos vínculos que tem com os sindicatos”.

Esse histórico expõe a mentira central por trás do ato da RP em Paris: que está travando uma luta total contra a extrema direita. Na realidade, a RP marchou alinhado aos organizadores pseudoesquerdistas da derrota — forças que desmobilizam sistematicamente os trabalhadores e criam as condições em que a extrema direita possa se apresentar falsamente como a única verdadeira oposição ao status quo. O principal beneficiário dessas traições tem sido a RN neofascista.

Uma lição política crítica da história do século XX deve ser destacada hoje. Em uma época marcada pela guerra mundial, fascismo e genocídio, tendências pequeno-burguesas que se adaptam ao imperialismo, legitimam a xenofobia e ocultam o stalinismo e o assassinato em massa por trás de uma linguagem pseudomarxista conduzem invariavelmente a catástrofes. Para os trabalhadores e jovens em busca de um caminho revolucionário genuíno, a tarefa urgente é romper decisivamente com essas forças e se opor ativamente a elas.

Tal luta não pode ser construída a partir de um mosaico de táticas escolhidas pragmaticamente, baseadas nacionalmente. Ela requer uma luta intransigente pelo internacionalismo marxista: a mobilização internacional da classe trabalhadora contra a guerra, o fascismo e o capitalismo, e a construção de uma direção revolucionária fundamentada no trotskismo. Essa é a perspectiva promovida pelo CIQI.

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