Na terça-feira passada, 13 de maio, o presidente colombiano Gustavo Petro e outros líderes latino-americanos se reuniram com o presidente chinês Xi Jinping durante o IV Fórum entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a China em Pequim.
Como parte das intenções de muitos países latino-americanos de diversificar as relações comerciais, mesmo com a possibilidade de se distanciarem dos EUA em meio à guerra comercial do presidente Donald Trump, Petro anunciou em 14 de maio no X/Twitter que “Entramos ... na [Nova] Rota da Seda,” apelido da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), o trilionário projeto de infraestrutura da China. Ele acrescentou que essa iniciativa “muda a história de nossas relações exteriores”.
Segundo Petro, o objetivo da adesão à ICR é, em curto prazo, “acabar com o déficit comercial com a China, que chega a US$ 14 bilhões por ano. Em médio prazo, quero que a Colômbia e a América Latina sejam capazes não apenas de construir infraestrutura interoceânica, mas também de ser um ponto de chegada para fibras ópticas submarinas da China e da Europa, para se tornar um nó central para a inteligência artificial.”
A “infraestrutura interoceânica” que Petro se referiu diz respeito a uma rede ferroviária que ligaria o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe/Oceano Atlântico. Em fevereiro, Bogotá inaugurou uma nova rota marítima para impulsionar as trocas comerciais entre a Colômbia e a China que liga seu principal porto no Pacífico, em Buenaventura, a Xangai e inclui uma parada no porto peruano de Chancay, financiado e controlado majoritariamente pela gigante estatal chinesa Cosco Shipping Ports.
Tal iniciativa ameaça desafiar ainda mais o domínio americano na região historicamente considerada o seu “quintal”, uma vez que pode servir como alternativa ao Canal do Panamá, que Trump ameaçou tomar por causa do controle de empresas chinesas de portos próximos como uma ameaça à segurança econômica e estratégica dos Estados Unidos. Toda a “diplomacia com canhões” que o governo Trump fez no início do ano contra o governo panamenho forçou-o a deixar a Iniciativa Cinturão e Rota.
Nessa mesma viagem à China, Petro também anunciou em 16 de maio que “a Colômbia solicitou formalmente sua adesão ao Novo Banco de Desenvolvimento” (NBD), o banco multilateral de desenvolvimento, criado pelos BRICS – formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que nos últimos anos incorporou mais meia dúzia de países, muitos deles desafetos de longa-data dos EUA, como o Irã. De forma significativa, o NBD também tem promovido o uso crescente de moedas locais no comércio entre os países membros e no financiamento de projetos, o que representa uma ameaça ao domínio absoluto do dólar americano.
A resposta de Washington veio através do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA. Em 15 de maio, ele escreveu no X/Twitter que os investimentos chineses na Colômbia e na região colocam em risco a segurança e a proteção da região” e que “Os EUA se oporão veementemente aos projetos recentes e aos próximos desembolsos do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] e de outras IFIs [instituições financeiras internacionais] para empresas estatais e controladas pela China na Colômbia.”
Entre os projetos que contam com a participação de empresas chinesas na Colômbia financiados pelo BID, cujo sócio majoritário é os EUA, está o metrô da capital, Bogotá. Empresas chinesas também estão envolvidas na construção de estadas e de um trem elétrico para ligar Bogotá a cidades do entorno. Em 2020, também adquiriram a mina de ouro de Buriticá.
A Colômbia, o país sul-americano com mais bases militares americanas (9), é um dos poucos países da América do Sul que ainda mantém uma relação comercial com os EUA maior do que com a China. Porém, nos últimos anos, isso está se revertendo, acendendo o alarme dos EUA à medida que se prepara para uma guerra contra a China.
Em 2000, a China era o 37º parceiro comercial da Colômbia, com importações de apenas cerca de US$ 10 milhões. Hoje, a China é o segundo maior parceiro comercial da Colômbia, com importações que ultrapassam US$ 16 bilhões e investimentos diretos que cresceram de US$ 84 milhões em 2021 para US$ 266 milhões em 2022.
As exportações colombianas para a China cresceram 475% entre 2008 e 2024, atingindo US$ 2,3 bilhões, enquanto as importações chinesas para a Colômbia chegaram a US$ 14,7 bilhões em 2024, abrangendo eletrônicos, produtos químicos e têxteis. Em 2025, a China ultrapassou os EUA e se tornou a principal fonte de importações da Colômbia.
O que tem acontecido na Colômbia é uma realidade em toda a região. Em sua primeira declaração após a China e os EUA terem chegado a uma trégua de 90 dias na guerra tarifária, o presidente Xi Jinping chamou a atenção no IV Fórum CELAC-China que “o volume de trocas [entre a América Latina e Pequim] ... ultrapassou os US$ 500 bilhões no ano passado”, um número “40 vezes mais do que no início do século.”
Xi pediu aos governos latino-americanos que “rejeitem a interferência externa e promovam a autonomia regional” e denunciou “a onda crescente do unilateralismo e do protecionismo.” Em contraposição, ele declarou que a China e a América Latina “praticam o verdadeiro multilateralismo” e “impulsionam a reforma do sistema de governança global e promovem a multipolarização do mundo”.
Xi ainda disse que a Iniciativa Cinturão e Rota, que já conta com a participação de 22 dos 33 países latino-americanos, permitiu o desenvolvimento de mais de “200 projetos de infraestrutura, criando milhões de postos de emprego”. Segundo ele, a China também assinou “acordos de livre comércio com países como o Chile, o Peru, a Costa Rica, o Equador e a Nicarágua.”
Questões políticas sérias também estavam em jogo no IV Fórum CELAC -China. A China vê a América Latina como palco de uma ofensiva política contra Taiwan, onde estão 7 dos 12 países no mundo que não reconhecem a política de uma só China. Porém, desde 2017, Panamá, República Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras romperam com Taipei e formalizaram relações diplomáticas com Pequim.
Para presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), também presente no IV Fórum CELAC-China e, um dia antes, num fórum que contou com a presença de 700 empresários brasileiros e chineses, “Brasil e China serão parceiros incontornáveis e nossa relação será indestrutível”. Desde 2009, o gigante asiático é o principal parceiro comercial brasileiro. Ele também comemorou o anunciado investimento chinês de R$ 27 bilhões no Brasil nos setores automotivo, de mineração, de energia renovável e transição energética, entre outros.
Lula aproveitou a viagem para defender uma integração latino-americana em parceria com a China. O principal projeto nesse sentido é o “Corredor Ferroviário Leste-Oeste”, que liga o Oceano Atlântico no Brasil ao Oceano Pacífico no porto peruano de Chancay. Segundo ele, esse projeto “facilitará o intercâmbio comercial e levará mais desenvolvimento para o interior do continente sul-americano. As rotas bioceânicas encurtarão o caminho para a China em 10 mil quilômetros.”
Porém, o presidente brasileiro ainda não conseguiu que os chineses embarquem nesse projeto. Segundo reportagem do Estado de S. Paulo, “os chineses ... suspeitam que haja algum entrave geopolítico”, com os EUA elevando o tom contra o Brasil. Esse mesmo receio levou o Brasil a não aderir à Iniciativa Cinturão e Rota no ano passado, estabelecendo apenas um “acordo de sinergia” entre o ICR e programas de infraestrutura do governo Lula.
Estabelecendo um delicado equilíbrio entre China e EUA, Lula, Petro e outros líderes latino-americanos querem tentar se beneficiar da guerra comercial de Trump. Enquanto Trump está pressionando os parceiros comerciais a se distanciarem da China em troca de uma redução nas tarifas com os EUA, os líderes latino-americanos querem se utilizar das crescentes relações com a China para tentar atrair investimentos americanos para a região.
Em contraposição ao IV Fórum CELAC-China, Petro declarou durante a viagem à China: “Pedimos ao governo dos Estados Unidos que realize a cúpula CELAC-EUA”. Nesse mesmo sentido, o ministro da fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, viajou na semana passada aos EUA atrás de investimentos no setor de tecnologia para indicar que o Brasil não escolherá lado na guerra comercial. Segundo ele, “Na mesma semana que ele [Lula] está na China, eu estava nos Estados Unidos. [Isso] deveria significar alguma coisa para um observador isento.” Ele completou: “Quer dizer, nós estamos jogando um jogo”.
Este, porém, é um jogo perigoso cujas consequências têm sido totalmente minimizadas pelos representantes desta nova “Maré Rosa” de governos nacionalistas burgueses, transformando cada vez mais a América Latina num futuro campo de batalhas entre os EUA e a China. Desde o governo do presidente americano Joe Biden, os EUA têm denunciado que a China tem usado seus investimentos bilionários em infraestrutura, principalmente portos, com um objetivo “dual”, tanto econômico quanto militar, e acusado Pequim de usar empréstimos para atrair os países da região para a chamada “armadilha da dívida”.
Com Trump, novas camadas foram adicionadas à essa narrativa fraudulenta. A guerra aos grupos criminosos e cartéis de drogas do governo Trump como parte de sua ofensiva contra os imigrantes atingiu em cheio o Brasil há duas semanas. Em 6 de maio, David Gamble, chefe interino da coordenação de sanções do Departamento de Estado americano, veio ao Brasil para pressionar o governo Lula a categorizar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), as duas maiores facções criminosas do país, como organizações terroristas. O governo Lula rechaçou essa medida.
Na segunda-feira, o Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou uma ofensiva contra a atuação de “grupos terroristas” na região de tríplice fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai visando o grupo libanês Hezbollah, um aliado do Irã.
De maneira mais significativa, no início de maio, o site defesanet reportou que “Diplomatas [americanos] vêm articulando informalmente com interlocutores brasileiros o uso irrestrito do Aeroporto de Fernando de Noronha e da Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte”. Usando a mesma alegação que foi recentemente avançada em relação ao Canal do Panamá, o defesanet escreveu que os EUA estão recorrendo ao “conceito de ‘direito histórico de retorno operacional’, com base em investimentos realizados pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial”, quando no Rio Grande do Norte foi instalada uma base aérea americana.
Esses desenvolvimentos devem soar o alarme da classe trabalhadora latino-americana e mundial. A resposta de governantes como Petro e Lula, que consideram que se pode construir um “mundo multipolar” num momento em que os primeiros tiros da Terceira Guerra Mundial já foram disparados, é totalmente falida. A única resposta progressista à ofensiva imperialista de Trump é a unificação da classe trabalhadora latino-americana e americana lutando contra a origem contra a ameaça de guerra, o capitalismo.