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Neofascista Chega cresce em Portugal enquanto coalizão de direita Aliança Democrática vence eleição

A eleição parlamentar antecipada realizada em Portugal no domingo marca uma escalada acentuada da crise política e social que se aprofunda no país. Ela ocorreu em meio a uma campanha generalizada de histeria anti-imigrante liderada pelo partido neofascista Chega e pela conservadora Aliança Democrática (AD), cujo governo anunciou planos para deportações em massa poucos dias antes da votação.

André Ventura, líder do partido neofascista Chega, durante a campanha eleitoral. [AP Photo/Ana Brigida]

Contra um pano de fundo de décadas de austeridade, colapso dos serviços públicos e estagnação salarial — condições impostas por sucessivos governos do Partido Socialista (PS) com o apoio do Partido Comunista (PCP) e do Bloco de Esquerda — amplas camadas da população foram levadas a votar no Chega. A ascensão eleitoral do Chega não é resultado do surgimento de um movimento fascista de massa. Reflete, antes, a falência e o caráter reacionário do establishment político, em Portugal e em toda a Europa, que só oferece uma saída de extrema-direita para o crescente descontentamento popular com o sistema vigente.

Na eleição, a AD, que está no poder desde janeiro de 2024 e é liderada pelo primeiro-ministro interino Luís Montenegro, obteve o maior número de votos em sua segunda vitória consecutiva, mas novamente não conseguiu maioria parlamentar, marcando a terceira eleição nacional inconclusiva em três anos. A AD conquistou 32,7% dos votos e 89 assentos, ainda longe dos 116 necessários para governar. Os partidos tradicionais no comando de Portugal não conseguem obter legitimidade nem formar um governo duradouro após anos de austeridade social que empobreceram amplas camadas da classe trabalhadora.

No discurso de vitória, Montenegro comemorou o aumento dez vezes maior da vantagem da AD sobre o PS, de 51 mil votos na eleição do ano passado para mais de meio milhão, e exigiu “estabilidade”. “O povo não quer outro governo ou outro primeiro-ministro. Exigimos que nos deixem governar”, declarou.

Por trás desse apelo está um programa reacionário: privatização da companhia aérea nacional TAP, cortes profundos nas aposentadorias, intensificação dos ataques aos direitos dos trabalhadores e alinhamento total com os planos de guerra da OTAN contra China e Rússia. Isso inclui uma expansão histórica dos gastos militares em preparação para a guerra imperialista no exterior e ataques brutais aos direitos democráticos e sociais no país, em nome do aumento da “competitividade” do capitalismo português.

O desenvolvimento politicamente mais explosivo na eleição é a ascensão contínua do partido neofascista Chega, liderado pelo demagogo e ex-comentarista esportivo André Ventura. O Chega exige deportações em massa de imigrantes, militarização da polícia e reintrodução da pena de morte, junto com cortes de impostos para os ricos, ataques às pensões e benefícios sociais e aprofundamento da austeridade. Ventura disfarça essa agenda com apelos demagógicos aos “portugueses esquecidos”, culpando imigrantes e minorias como os ciganos pela crise social produzida pelo capitalismo.

O Chega recebeu 22,6% dos votos, igualando-se pela primeira vez ao PS com 58 assentos, mais ainda se aguarda a definição final da alocação de quatro assentos no exterior. Desde que entrou no parlamento em 2019 com apenas um deputado, o Chega cresceu ininterruptamente, com 12 assentos em 2022, 50 em 2024 e agora à beira de substituir o PS como o segundo partido do país.

A ascensão do Chega foi particularmente pronunciada em regiões do sul como Beja, Setúbal, Portalegre e Algarve, redutos históricos do PS e do PCP stalinista. Isso expõe de forma devastadora as políticas anti-trabalhadores implementadas por sucessivos governos do PS apoiados pelo PCP.

O triunfalismo de Ventura ficou evidente na noite eleitoral: “Hoje podemos anunciar com confiança que o sistema bipartidário em Portugal chegou ao fim”, declarou. “O Chega se tornou o segundo maior partido político. Hoje acertamos contas com a história”, acrescentou. Ele ainda advertiu de forma ameaçadora: “Vocês ainda não viram nada”.

Formar um novo governo pode ser difícil. Montenegro reiterou que não entrará em coalizão com o Chega, chamando o partido de “não confiável” e “inapto para governar”. Por sua vez, o Chega parece não estar mais interessado em sustentar a AD. Diferente de 2024, Ventura abandonou as tentativas de aliança e agora se posiciona abertamente como uma alternativa a primeiro-ministro. “Estamos quase no ponto em que podemos governar”, declarou. “Nada permanecerá igual em Portugal a partir de hoje.”

Seja ou não firmado um pacto formal, a extrema-direita está agora no centro da política oficial portuguesa. É a primeira vez desde a queda do regime fascista do Estado Novo em 1974 que tais forças exercerão influência direta sobre o rumo da política portuguesa, seja dentro do governo ou fora dele.

A responsabilidade por esse estado de coisas recai sobre o que se chama de esquerda em Portugal. O PS socialdemocrata, a Coligação Democrática Unitária (CDU) liderada pelo PCP stalinista e o Bloco de Esquerda pablista sofreram seu pior resultado combinado desde a queda da ditadura, recebendo juntos apenas 30% dos votos. Ventura comemorou a humilhação deles, declarando: “O Chega superou o partido de Mário Soares [PS], matou o partido de Álvaro Cunhal [PCP] e eliminou o Bloco de Esquerda”.

O PS, outrora partido dominante em Portugal pós-Revolução dos Cravos, obteve apenas 23% dos votos, caindo de 78 para 58 assentos. Apenas em 1985 e 1987 teve desempenho pior. Logo após a confirmação dos resultados, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, renunciou ao cargo de secretário-geral do partido.

O Bloco de Esquerda, que já teve 19 assentos e serviu de apoio fundamental para o governo do PS durante seu mandato de 2015-2019, colapsou para apenas 2% dos votos, mantendo apenas um assento para sua líder Mariana Mortágua. A CDU obteve apenas 3% dos votos e manteve três assentos, não melhor que no ano anterior. Ambos foram ultrapassados pelo Livre, uma dissidência do Bloco de Esquerda formada em 2011. O Livre conquistou 4% dos votos e agora detém seis assentos.

Esses partidos são amplamente desprezados pelo papel direto no apoio aos governos de austeridade liderados pelo PS. O PS governou de 2015 a 2024 aplicando a austeridade da UE, desmontando proteções trabalhistas e apoiando a guerra imperialista da OTAN no Oriente Médio e Europa Oriental. O PCP e o Bloco de Esquerda apoiaram o governo do PS por meio do que fico conhecido como “Geringonça”, fornecendo respaldo parlamentar para ataques sociais profundos.

Essa aliança impôs cortes brutais aos serviços públicos, supervisionou a alta dos custos habitacionais, reprimiu greves de trabalhadores, incluindo o uso do exército contra caminhoneiros grevistas, e canalizou bilhões de euros para resgates corporativos e gastos militares. Mesmo após o fim formal da aliança, ambos os partidos continuaram a apoiar os orçamentos do PS, suas políticas de “imunidade de rebanho” para a COVID e seu apoio à guerra da OTAN na Ucrânia.

Em 2023, o primeiro-ministro do PS, António Costa, defendeu o início do genocídio israelense contra os palestinos em Gaza, afirmando que “Israel tem todo o direito de se defender agindo militarmente contra o Hamas, mas respeitando as populações civis da Palestina.” Sob seu governo, Portugal emitiu licenças de exportação de material militar para Israel totalizando mais de €12,5 milhões.

Somente em 2022, o Bloco de Esquerda e o PCP votaram contra o orçamento do PS numa tentativa tardia de salvar suas reputações em meio à oposição massiva da classe trabalhadora, expressa numa onda de greves que abrangeu diversos setores, incluindo educação, saúde, transporte e administração pública. Notavelmente, essa onda de greves no final de 2022 preparou o terreno para uma escalada contínua no ano seguinte, com o número de trabalhadores em greve em todos os setores aumentando 288% em 2023.

As traições a essas lutas criaram as condições para o avanço da extrema-direita. Com os salários estagnados e os serviços públicos em colapso, Portugal enfrenta uma profunda crise habitacional impulsionada pelo capital especulativo e pelo turismo de massa. Os preços dos imóveis subiram 9% no ano passado, enquanto os aluguéis em Lisboa atingiram os níveis mais altos em três décadas. Enquanto isso, o salário médio mensal é de apenas €1.200 sem considerar o desconto pelos impostos, e o salário mínimo de €870, que está entre os mais baixos da Europa Ocidental.

Desde o início de 2025, os trabalhadores portugueses voltaram a reagir com determinação à deterioração das condições, com atividade grevista em quase todos os setores. No primeiro trimestre, foram registrados 224 avisos de greve, a maioria por salários estagnados. A participação tem sido massiva, com dezenas de milhares aderindo a ações que vão desde pequenas paralisações em fábricas até paralisações nacionais.

Incluíram uma greve nacional dos educadores em instituições privadas de solidariedade social, uma paralisação de 24 horas dos inspetores de bilhetes e dos trabalhadores das bilheteiras da empresa ferroviária Comboios de Portugal, greves alternadas de maquinistas e outros trabalhadores ferroviários, uma greve nacional de enfermeiros, uma greve geral dos servidores públicos, uma paralisação de três dias dos trabalhadores da multinacional japonesa Teijin e uma paralisação de duas horas na fábrica têxtil AUNDE Portugal.

A onda crescente de greves revela a verdadeira força social capaz de deter o avanço do fascismo: a classe trabalhadora. Suas ações expressam o imenso poder social que reside na resistência coletiva da classe trabalhadora em Portugal, na Europa e internacionalmente. Contudo, esse movimento precisa de uma direção política e uma perspectiva revolucionária.

A tarefa crítica agora é a construção de uma seção portuguesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI). Só a classe trabalhadora, unificada nacional, racial e etnicamente, armada com um programa político claro e um direção revolucionária, pode deter a marcha para o fascismo e abrir caminho para o socialismo.

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