Publicado originalmente em inglês em 28 de abril de 2025
O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SindmetalSJC), afiliado à CSP-Conlutas, a central sindical liderada pelo morenista Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), organizou um seminário intitulado “Soberania em risco? O futuro da base industrial de defesa no Brasil” no dia 27 de março. O evento foi a demonstração mais direta até hoje da reacionária política nacionalista pró-militarista dos morenistas. Em busca de uma aliança corporativista, eles convidaram militares e defensores do militarismo da sangrenta ditadura militar de 1964-85.
O evento foi promovido falsamente como uma defesa dos empregos da fábrica de armamentos da Avibras em São José dos Campos no estado de São Paulo. Weller Gonçalves, líder do sindicato, afirmou que o evento foi organizado por conta “da crise da Avibras e da falta de ações efetivas do poder público para socorrer os trabalhadores e defender a soberania nacional”.
Os trabalhadores da Avibras estão batalhando pelo pagamento de mais de dois anos de salários atrasados e para garantir os seus empregos. Desde setembro de 2022, a empresa deixou de pagar os salários de todos os trabalhadores, e reverteu 420 demissões somente após intensa oposição. Longe de “socorrer” os trabalhadores da Avibras, o SindmetalSJC organizou múltiplas visitas ao Ministério da Defesa enquanto impediu a unificação da luta na Avibras com setores-chave da indústria como a Embraer e a Mercedes-Benz.
O principal tema do seminário da CSP-Conlutas foi a subordinação da classe trabalhadora ao Estado brasileiro em nome da “soberania nacional”. Ele forneceu uma plataforma para a defesa da perspectiva falsa e intensamente reacionária do “desenvolvimento da indústria nacional” através de investimentos massivos na indústria de armamentos.
Ao lado de figuras ligadas à indústria de armamentos e militares da ativa, a expressão mais direta disso foi o convidado para a abertura do seminário, Robinson Farinazzo. Um explícito defensor do militarismo da ditadura militar, Farinazzo declarou possuir uma grande amizade com Weller Gonçalves.
Farinazzo foi apresentado como “oficial da reserva da Marinha do Brasil, especialista em tecnologia aeronáutica e de Defesa” e “um defensor da soberania nacional”. A CSP-Conlutas acobertou as partes mais reveladoras da política de Farinazzo. Em 2022, ele posou para fotos com a Nova Resistência (NR), um agrupamento de extrema direita no Brasil inspirado no filósofo fascistoide, Alexandr Dugin, com quem Farinazzo se reuniu no mesmo ano.
Durante sua apresentação, Farinazzo apontou para uma lista de empresas de armamentos e declarou: “Nos anos 1960-70, você tinha uma porrada de empresas... O Brasil era a China do mundo... Com 11% de crescimento ao ano, ... o trabalhador pode mudar de empresa a hora que ele quiser, sempre ganhando mais”.
Farinazzo exaltou uma decisão do regime sob o general Ernesto Geisel pondo fim à importação de armamentos dos EUA em 1977. “O presidente Geisel denuncia um tratado que o Brasil tinha de compra de armas com os EUA que vem de 1952. Quando Geisel pulou fora desse acordo, o Brasil precisou se voltar para si … foi uma das melhores decisões do governo dele sair desse tratado”.
Segundo essa narrativa, a ditadura militar foi uma defensora da indústria de armamentos e, inseparavelmente, dos trabalhadores brasileiros. Porém, declarou Farinazzo, após os governos militares e civis dos anos 1980-90 adotarem a chamada política econômica “neoliberal”, a economia do Brasil entrou em colapso, produzindo o fechamento de empresas voltadas para a produção de tanques e blindados.
A concepção de Farinazzo, em que a decisão pelo Estado em política econômica produziu fundamentalmente todas as consequências do neoliberalismo no Brasil, foi explicada por outro convidado para o seminário, o general do Exército, Ivan Neiva Filho.
O general declarou que o impulso fundamental da indústria nacional foi a decisão da monarquia portuguesa de construir fábricas com propósito militar para defender o Brasil colonial dois séculos atrás. Segundo Neiva Filho, a indústria de armamentos é a base essencial de toda a indústria e desenvolvimento econômico: “A indústria de defesa possui uma característica completamente diferente de outros setores da indústria. A BID [Base Industrial de Defesa] não é uma formação do mercado e não funciona de acordo com as normas corriqueiras de mercado”.
Em meio aos chamados pelo fortalecimento da indústria de armamentos durante o seminário, a CSP-Conlutas acobertou o fato de que a campanha dessas figuras irá aumentar o risco da guerra na região e o poder político dos militares, que lideraram com Bolsonaro a tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023. Farinazzo e Neiva Filho foram aplaudidos pelos burocratas da CSP-Conlutas, com seu líder sindical na Avibras, Weller Gonçalves, declarando ao final que “o evento cumpriu seu objetivo”.
A concepção reacionária de Farinazzo e Neiva Filho contradizem os elementos básicos da realidade econômica e social, apagando a existência de classes na sociedade capitalista, e justificando a supressão de toda a oposição social sob os interesses do Estado capitalista.
Longe de uma mera decisão por políticos capitalistas, a destruição de amplos setores industriais nas décadas de 1980-90 refletia o esgotamento da chamada política de substituição de importações que havia caracterizado governos nacionalistas burgueses no período pós-guerra no Brasil e outros países na região.
Com as crises do petróleo e a contração econômica mundial na década de 1970, o regime militar realizou uma política econômica de investimentos através de endividamento, acumulando uma massiva dívida que saltou de US$12,5 bilhões para US$100 bilhões entre 1974 e 1980.
Em 1979, amedrontado por uma onda de greves e protestos em massa nos EUA e internacionalmente, o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos EUA, representando os interesses da classe dominante americana como um todo, implementou um intenso aumento na taxa de juros, que ficou conhecido como “choque Volcker” devido ao nome do então presidente do Fed, Paul Volcker. A política resultou em desemprego em massa e na destruição de regiões industriais inteiras nos EUA, e produziu choques em toda a América Latina.
O aumento da taxa de juros pelo Fed pôs fim definitivamente a política dos militares, acelerando a crise social e desencadeando um movimento de greves massivas nos anos 1980.
Ao contrário do que declarou Farinazzo, os levantes sociais que puseram fim à ditadura de duas décadas foram precedidos por estagnação e contração salarial e o explosivo aumento da desigualdade social.
O Partido dos Trabalhadores (PT) foi criado nesse período como armadilha preventiva para a mobilização política da classe trabalhadora. Com a sua assistência, a burguesia foi eventualmente foi bem-sucedida na reestabilização do capitalismo brasileiro e na ressuscitação das formas de governo parlamentares burguesas.
As convulsões econômicas da década de 1980 expressavam tendências profundas na economia capitalista global. O desenvolvimento de novos métodos de produção, transporte e transações financeiras resultaram no surgimento de corporações transnacionais e das cadeias de abastecimento globais, e acabaram com todas as políticas baseadas no reformismo nacional. Elas exacerbaram a contradição fundamental cada vez mais profunda do caráter integrado internacionalmente da produção capitalista e o sistema de Estados nacionais.
Em última análise, foi essa contradição objetiva fundamental do sistema capitalista que pôs fim à política econômica do regime militar, e não meras decisões de políticos capitalistas individuais, como a CSP-Conlutas quer que os trabalhadores acreditem.
A perspectiva nacionalista que a CSP-Conlutas procurou cultivar no seu evento reacionário entra em choque com a realidade. Um produto indesejado do “neoliberalismo” foi a integração internacional e enorme fortalecimento da classe trabalhadora a níveis sem precedentes. Esse processo também resultou no completo descrédito de todas as burocracias que detinham controle sobre a classe trabalhadora no período pós-guerra através do nacionalismo econômico.
Hoje, qualquer resquício de apoio associado às medidas sociais implementadas na segunda metade dos anos 2000 sob Lula deram lugar há muito tempo à revolta contra anos de cortes sociais auxiliados pelo PT e pelo aparato sindical no seu entorno.
Lula está atravessando as suas taxas mais altas de rejeição nas pesquisas de opinião. O seu governo está respondendo acomodando os interesses das forças mais autoritárias e reacionárias na política nacional, atualmente concentradas em negociações pela anistia de Bolsonaro e dos generais que participaram da tentativa golpe do 8 de Janeiro.
Ao mesmo tempo, Lula está respondendo à guerra tarifária da administração Trump com a reacionária campanha nacionalista “O Brasil é para os brasileiros”, procurando desviar a oposição social a anos de cortes em programas sociais e aumentos de preços. A falida ordem capitalista está novamente produzindo forças fascistas e defensoras de uma nova ditadura autoritária. Com a guerra comercial e a diminuição do espaço de manobra da burguesia brasileira, a burguesia apenas buscará acelerar esse processo.
Enquanto a resposta nacionalista de Lula e seus ministros aos acenos de Bolsonaro à Trump coloca os militares no centro da política nacional, o papel desempenhado pela CSP-Conlutas é sufocar a luta dos trabalhadores em prol dos interesses da burguesia brasileira.
Independentemente das declarações formais em defesa dos trabalhadores pelo líder da CSP-Conlutas, a realidade é que essa organização sindical liderada pelos morenistas será lembrada por fornecer uma plataforma para figuras simpáticas ao fascismo e agressivos defensores do militarismo, os mais violentos inimigos da classe trabalhadora.
Os trabalhadores da Avibras devem rejeitar com desprezo o programa corporativista promovido no seminário da CSP-Conlutas, que procura subordiná-los à ampliação da “competitividade da indústria nacional”, i.e, aos interesses das grandes corporações e do capital financeiro internacional.
O único programa viável para os trabalhadores da Avibras é rejeitar a reacionária política nacionalista e lutar para unificar a sua luta com aquela de todos os trabalhadores no Brasil e ao redor do mundo.
A política de integração entre os sindicatos, o Estado e a indústria defendida no evento da CSP-Conlutas é diretamente oposta às crescentes lutas sociais e à solidariedade internacional dos trabalhadores. Durante a greve dos trabalhadores da Boeing nos EUA em outubro de 2024, os trabalhadores da Embraer demonstraram enorme disposição de entrar em greve e declararam sua solidariedade aos trabalhadores americanos.
Hoje, o veneno do nacionalismo econômico promovido sob o governo Trump já está entrando em choque com os interesses sociais da classe trabalhadora americana e internacional, que está encontrando expressão em um massivo movimento de oposição em todos os EUA.