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Líderes latino-americanos se reúnem em cúpula da CELAC em meio à escalada da guerra econômica de Trump contra a China

Líderes latino-americanos durante a cúpula da CELAC em Honduras, em 9 de abril. [Photo by CELAC]

Líderes latino-americanos se reuniram em Honduras na quarta-feira passada, 9 de abril, para a nona cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). A cúpula aconteceu em meio à escalada da guerra comercial do governo do presidente americano Donald Trump contra a China, a principal parceira comercial da maioria dos países da região e o único país que ele manteve as “tarifas recíprocas” depois de suspendê-las por 90 dias.

Como parte do assim chamado “Dia da Libertação” do governo Trump, os países latino-americanos, a maior parte deles com um déficit comercial com os EUA, foram taxados no valor mínimo de 10%. As exceções foram Guiana (38%), Nicarágua (18%) e Venezuela (15%). Os dois últimos países, junto com Cuba, sofrem há anos sanções comerciais americanas.

Desde o início da década passada, os países latino-americanos estão realizando um delicado equilíbrio entre as fortes relações comerciais com a China e, em menor escala, a Rússia e as pressões crescentes do imperialismo americano. Com a volta de Trump ao poder, esse processo escalou enormemente com ameaças abertas de tomar o Canal do Panamá e um esforço para impor regimes alinhados ao seu governo na América Latina enquanto se prepara para uma guerra contra a China.

Ao mesmo tempo que os governos latino-americanos estão tentando avaliar os impactos da guerra comercial de Trump sobre suas economias, há um consenso crescente entre eles de que é necessário diversificar as relações comerciais, incluindo a possibilidade de se afastarem dos EUA. Esse movimento abriria espaço para o fortalecimento de laços comerciais dentro da própria América Latina, além de ampliar parcerias com outros blocos e potências globais, como a União Europeia e a própria China.

Desde a sua criação em 2011 durante os governos nacionalistas burgueses da “Maré Rosa” para se contrapor à Organização dos Estados Americanos (OEA) controlada pelos EUA, a CELAC tem avançado a necessidade de integrar a “Pátria Grande” em múltiplos aspectos – cultural, econômico, militar e político. Porém, à medida que a crise econômica global se intensificou com a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia, a fragmentação e os conflitos regionais entre os países latino-americanos emergiram com tudo.

O caráter genérico da curta “Declaração de Tegucigalpa,” composta por apenas oito pontos e adotada por “consenso suficiente” por 30 dos 33 países da CELAC, evidenciou a crescente dificuldade dos líderes latino-americanos em responder de forma unificada e efetiva à intensificação da crise global. Num dos pontos, ela defendeu o “respeito aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional, na cooperação internacional, na democracia e no Estado de Direito, no multilateralismo, na proteção e promoção de todos os direitos humanos, no respeito à autodeterminação, na não ingerência nos assuntos internos, na soberania e na integridade territorial.”

Sem citar diretamente os EUA e as medidas de guerra comercial de Trump, ela rejeitou “a imposição de medidas coercitivas unilaterais contrárias ao direito internacional, incluindo aquelas que restringem o comércio internacional.”

A Argentina do presidente fascista Javier Milei e o Paraguai do presidente de direita Santiago Peña – ambos aliados próximos de Donald Trump – se recusaram a assinar a declaração e denunciaram a quebra de protocolo, uma vez que o texto foi publicado mesmo sem o consenso dos países-membros. Já a Nicarágua, governada pelo presidente sandinista Daniel Ortega, também se absteve, alegando que a declaração era insuficiente e defendendo um texto mais ambicioso.

No início do ano, a Argentina e o Paraguai também conseguiram barrar uma reunião extraordinária da CELAC convocada pelo presidente pseudoesquerdista colombiano Gustavo Petro que tinha o objetivo de discutir as deportações em massa de imigrantes latino-americanos pelo governo Trump.

Em seu discurso na cúpula da CELAC, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) disse que “A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores”. Apelando para a unidade latino-americana, ele continuou: “Se seguirmos separados, a comunidade latino-americana e caribenha corre o risco de regressar à condição de zona de influência em uma nova divisão do globo entre superpotências.”

Contra essa possibilidade, ele defendeu que “deixemos as diferenças de lado” e a necessidade de “resgatar o espírito plural e pragmático que nos uniu no início dos anos 2000 e que levou à criação da UNASUL [União das Nações Sul-Americanas, em 2008] e da própria CELAC.” Tanto a UNASUL quanto a CELAC fizeram parte das intenções dos governos do PT (2003-2016) e de outros da “Maré Rosa”, como os de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, de criar um “mundo multipolar” em oposição à hegemonia americana.

“É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que se descortina”, Lula continuou, com a promoção do “comércio regional de bens e serviços, sua diversificação e crescente facilitação”.

Num ponto particularmente sensível ao imperialismo americano, que coloca o Brasil em conflito direto com os EUA, ele defendeu “reativar o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos da ALADI [Associação Latino-Americana de Integração] e expandir o Sistema de Pagamentos em Moeda Local.” Essa também é uma agenda que o Brasil pretende impulsionar no âmbito dos BRICS – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de uma dúzia de países recentemente incorporados – durante seu mandato na presidência rotativa este ano. A iniciativa, no entanto, já foi alvo de duras críticas por parte de Trump, que prometeu retaliar os BRICS diversas vezes.

O presidente brasileiro também chamou a atenção para o fato de “O Brasil [estar] impulsionando cinco Rotas de Integração Sul-Americana, que vão unir o Caribe, o Atlântico e o Pacífico.” Segundo uma reportagem de janeiro do site do Ministério do Planejamento do governo Lula, o objetivo dessas Rotas é “aumentar a competitividade dos produtos brasileiros e sul-americanos” e “reduzir a distância e o tempo de viagem do comércio realizados com a Ásia”.

Além de apostar nas novas rotas comerciais para fortalecer o intercâmbio entre países da América Latina e com a Ásia, o governo Lula busca “reindustrializar” o Brasil em resposta a quatro décadas de desindustrialização e à crescente entrada de produtos industrializados chineses — fenômeno intensificado pela guerra tarifária e amplamente destacado pela mídia nos últimos dias. Segundo dados do Ministério do Planejamento, a maior parte das exportações brasileiras para a China é composta por produtos primários, com apenas 2% representando bens industriais. Já nas exportações para a América do Sul, os bens industriais correspondem a 85% do total.

Embora não mencione diretamente a China, o desenvolvimento de obras de infraestrutura lideradas pelo país asiático na América Latina tem contribuído significativamente para esse projeto. Um exemplo é o recém-inaugurado Porto de Chancay, no Peru, além dos planos ambiciosos de construção de uma ferrovia transoceânica que ligaria o oceano Atlântico no Brasil ao oceano Pacífico no Peru.

Outro presidente que participou da cúpula da CELAC foi o venezuelano Nicolas Maduro. Em seu discurso, ele disse que Trump representa a “mais grave agressão civilizacional contra os povos migrantes nos Estados Unidos desde a era do fascismo e do nazismo”. Ele também denunciou que, “Atualmente, vivemos duas agressões, uma de natureza econômica e outra de natureza humanitária, contra nossos migrantes”, uma referência aos 238 imigrantes ilegalmente deportados dos EUA para El Salvador.

Maduro considera a CELAC e a aproximação particularmente com a China e outros países dos BRICS essenciais para minimizar os duros impactos econômicos das sanções americanas e as recentes medidas do governo Trump contra o petróleo venezuelano. Na cúpula da CELAC, ele defendeu a construção de uma Secretaria-Geral da comunidade.

A China observou atentamente os desenvolvimentos na CELAC. O presidente chinês Xi Jinping enviou uma “mensagem de felicitação” para a cúpula, dizendo que “que o mundo atual está passando por mudanças aceleradas nunca vistas em um século” e que o “Sul Global, incluindo a China, bem como os países da América Latina e do Caribe, está crescendo a passos largos”.

Ele também notou que “Este ano, a China sediará a quarta reunião ministerial do Fórum China-CELAC em Pequim”, que acontecerá em maio. Existe a expectativa de Lula e outros líderes regionais participarem pessoalmente do fórum.

No entanto, qualquer avanço na “Construção de uma comunidade China-América Latina com um futuro compartilhado”, como Xi colocou em sua mensagem, é totalmente contrária aos interesses americanos. Na semana passada, o secretário de defesa do EUA, Pete Hegseth, reforçou em vista ao Panamá que “os EUA recuperarão o Canal do Panamá da influência chinesa” e, mais amplamente, que “as forças armadas da China têm uma presença muito grande no Hemisfério Ocidental”. A visita aconteceu enquanto Trump e Hegseth estavam falando abertamente em enviar tropas dos EUA no Panamá.

Como está ficando claro, o retorno de Trump ao poder, que está tentando consolidar uma ditadura presidencial nos EUA, está tornando a América Latina como um futuro campo de batalhas no confronto do imperialismo americano contra a China.

As tentativas de Lula e outros líderes latino-americanos de se contrapor à ofensiva americana através da construção de um “mundo multipolar”, com a América Latina podendo de algum modo se aproveitar da guerra econômica de Trump contra a China, é uma ilusão reacionária. Como o WSWS recentemente alertou, “Todas as frações da classe dominante dos EUA, independentemente de suas diferenças táticas com Trump, estão unidas em sua determinação de garantir que não haja o chamado mundo multipolar. A hegemonia dos EUA deve ser mantida a todo custo e isso significa a subordinação da China.”

Lula e outros líderes latino-americanos são representantes leais das burguesias nacionais e internacionais, e os objetivos deles é garantir condições econômicas menos desfavoráveis num mundo cada vez mais dominado pela ameaça de uma nova guerra mundial imperialista. A única resposta progressista a essa ameaça é a unidade da classe trabalhadora latino-americana com seus irmãos e irmãs na América do Norte numa luta pelo socialismo internacional.

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